Apresentação/Introdução
Os impactos assistenciais, financeiros e administrativos decorrentes da judicialização da saúde pública na Região Nordeste de Santa Catarina tornaram necessária a adoção de estratégias capazes de evitar a propositura de ações judiciais e minimizar as iniquidades, a desorganização administrativa e o comprometimento financeiro ocasionados pela intervenção recorrente do Poder Judiciário no Sistema Único de Saúde. Para que tais objetivos sejam atingidos, é imprescindível a realização de diagnósticos situacionais que permitam a identificação das causas e do perfil das demandas judiciais, bem como a realização de análises técnicas das tecnologias demandadas, sobretudo no que diz respeito aos produtos e serviços ainda não incorporados às políticas públicas de saúde. A implantação das referidas estratégias, entretanto, depende da estruturação de uma equipe técnica responsável pela análise e acompanhamento das demandas, o que nem sempre é possível nos municípios de menor porte, que dispõem de recursos humanos muito limitados. Para possibilitar a superação de tais limitações, em 20 de novembro de 2020, foi deliberada, pela Comissão Intergestores Regional (CIR) Nordeste de Santa Catarina, a criação do Programa de Gestão Regionalizada da Judicialização da Saúde (PROGREJUS), iniciativa que objetiva a conjugação de esforços e a cooperação regional para fortalecer os processos de gestão, controle e prevenção da judicialização da saúde nos municípios.
Objetivos
São seis os objetivos pretendidos com o Programa: I- Promover a uniformização progressiva dos processos de trabalho, metodologias e entendimentos referentes à judicialização da saúde na região II- Fomentar o compartilhamento de informações e de conhecimento entre as equipes envolvidas na gestão e no enfrentamento da judicialização da saúde nos municípios III- Proporcionar a otimização do uso dos recursos aplicados em ações e serviços públicos de saúde na região IV- Garantir a observância das políticas públicas de saúde e dos princípios e diretrizes do SUS na região IV- Facilitar o cumprimento de decisões judiciais por meio do apoio mútuo entre os municípios V- Disponibilizar aos gestores municipais dados e indicadores que subsidiem a tomada de decisão para fins de enfrentamento da judicialização da saúde e VI- Viabilizar a cooperação para ações regionalizadas de controle e enfrentamento da judicialização da saúde.
Metodologia
O PROGREJUS contempla quatro iniciativas: Câmara Técnica, Banco Regional de Pareceres, Banco Regional de Medicamentos e Monitoramento Regional. A Câmara Técnica é o principal espaço de articulação e pactuação das ações do PROGREJUS, sendo composta por representantes dos municípios, que se reúnem mensalmente, por videoconferência. É responsável pela análise de dados e indicadores, pela padronização de procedimentos, pela elaboração, discussão e aprovação de pareceres técnicos e pela cooperação técnica entre as equipes dos municípios. O Banco Regional de Pareceres é uma plataforma que reúne pareceres técnicos elaborados e aprovados pela Câmara Técnica, os quais são utilizados para qualificar e subsidiar as defesas dos municípios nas ações judiciais e as negativas de produtos e serviços não incorporados, quando solicitados pelos usuários. O Banco Regional de Medicamentos reúne informações acerca de estoques excedentes de medicamentos demandados judicialmente, de forma a possibilitar a realização de permutas e doações entre os municípios para fins de apoio mútuo no cumprimento de decisões judiciais. São considerados excedentes os medicamentos adquiridos para o atendimento de usuários que posteriormente vieram a óbito, abandonaram ou alteraram o tratamento. O Monitoramento Regional consiste no levantamento de informações relevantes para o diagnóstico situacional da judicialização da saúde na região, as quais são compiladas e disponibilizadas em um painel regional interativo.
Resultados
A partir da implantação do Projeto, 82 diferentes medicamentos foram disponibilizados no Banco Regional de Medicamentos, com valor total estimado de R$ 47.466,72. Além disso, por meio das discussões da Câmara Técnica, 15 pareceres técnicos, referentes às demandas judiciais mais recorrentes nos municípios, foram elaborados e disponibilizados na plataforma do Banco Regional de Pareceres. A cooperação técnica regional também subsidiou a elaboração de ao menos 1.526 manifestações técnicas em processos judiciais e administrativos, o que possibilitou a atuação qualificada e tecnicamente embasada dos municípios nos em tais procedimentos. No que diz respeito aos aspectos financeiros, o município mais populoso da região, Joinville, obteve, no primeiro ano de execução do projeto (2021), uma redução de aproximadamente 36,3% nos valores empenhados para o cumprimento de decisões judiciais (redução de R$ 1.607.175,29, em 2020, para R$ 1.023.240,45, em 2021).
Conclusões
Experiências como o PROGREJUS, que envolvem a atuação colaborativa de municípios, demonstram que, apesar da complexidade do fenômeno da judicialização da saúde, é viável a implementação de processos regionalizados de gestão, controle e enfrentamento, mitigando as iniquidades e demais efeitos nocivos que frequentemente estão relacionados ao crescimento desenfreado das demandas judiciais relativas à saúde pública. A manutenção de canais e instâncias de diálogo entre municípios, entre poderes e entre esferas de gestão tem como consequência, ainda, um aprimoramento da gestão do sistema de saúde como um todo, uma vez que proporciona a alocação mais eficiente dos recursos públicos e viabiliza um planejamento mais adequado às reais necessidades da população. Por esses motivos, iniciativas como o PROGREJUS podem representar uma estratégia viável de gestão e enfrentamento da judicialização da saúde e de garantia da observância dos princípios norteadores do SUS, uma vez que oferecem alternativas para a superação de diversas limitações e dificuldades encontradas por centenas de municípios brasileiros de pequeno e médio porte, que dispõem de recursos limitados para fazer frente às demandas judiciais.
Palavras-chave
Saúde, Judicialização, Municípios.