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São Paulo - SP

Crônicas de Marias Escrevivências de mulheres que usam substâncias psicoativas na periferia de Sp

Autor(a): KAROLINE DOS SANTOS GERMANO

Coautor(a): Tatiana Natalino Vilches, Juliana Aureana Leal

Ano: 2022

Apresentação/Introdução

Sabe-se que o estigma relacionado aos usuários dos serviços de saúde mental, ainda é frequente e reforça-se no público feminino em tratamento na clínica Álcool e Drogas, por fatores sociais e culturais que podem inibir a busca de mulheres a este serviço. Seja não só pelo fato de essas mulheres não conseguirem seguir com o tratamento, pela responsabilidade com a casa e filhos, bem como pela desaprovação social vivenciada por fazerem uso de substâncias. Viu-se necessário uma abordagem horizontalizada de promoção de cuidado, entre profissionais e usuárias. Para tanto pensou-se na contação e registros de histórias vivenciadas pelas participantes, propiciando um olhar para além de mulheres usuárias de drogas, mas pessoas com desejos e sonhos através dos encontros. Em tempos de pandemia em que os olhos do mundo estavam voltados para o COVID-19 é muito significativo que um grupo de mulheres do CAPS Álcool e Drogas da periferia de São Paulo tenha oportunidade de ser visto em outros espaços. É a voz dessas mulheres, quase sempre silenciadas, sendo ouvidas.

Objetivos

Promover o acolhimento e convívio das mulheres através da contação de suas histórias e experiências, que após escritas em forma de crônicas, são refletidas e dialogadas, proporcionando pertencimento, empatia e solidariedade entre mulheres.Além de provocar por meio de contra-narrativas o olhar para as mulheres usuárias de substâncias despidas de preconceito, moralidade e machismos da qual o contexto que nos permeia está submerso

Metodologia

A partir das leituras de mulheres negras, usou-se as escrevivências, de Maria Conceição Evaristo, como estratégia de produção de cuidado. A escrevivência é uma metodologia que precisa da escuta atenta do escritor, possibilitando a transformação das experiências coletivas das mulheres em palavras. Uma escrevivência, como descrito em Becos da Memória (2013), é uma história inventada, mesmo que baseada em vivências reais, pois a construção desta crônica precisa unir o singular ao coletivo. Além de reinventar a realidade contada, permite a construção de novos possíveis. As histórias são registradas no formato de crônicas e/ou narrativas, seguido da leitura e reflexão coletiva. O critério de inclusão são mulheres usuárias do CAPS AD II Sapopemba que tenham como indicação de Projeto Terapêutico Singular (PTS). As histórias são transcritas em Tablet para registro e armazenamento e poderão ter novas versões a partir da reflexão e discussão. O grupo é desenvolvido por duas terapeutas ocupacionais e uma enfermeira especialistas em Saúde Mental e requer um espaço acolhedor e fechado, com flexibilidade de entrada e saída e uma duração média de duas horas, acompanhantes são aceitos e o espaço de espera é ofertado. EVARISTO, Conceição. (2013).Becos da memória.Florianópolis: Ed. Mulheres.

Resultados

Foram produzidas no período de 18 encontros 38 crônicas a partir dos relatos das usuárias. Com temas sobre violência, aborto, relacionamentos conjugais, família, animais de estimação, maternidade, vida adulta, ser mulher, depressão, prostituição, uso de substâncias, homossexualidade, entre outros. Abaixo segue uma das crônicas como exemplo de resultado construído em um encontro: 29 voltas Vinte e nove voltas ao redor do mundo foi celebrada em um grupo de contação de histórias com mulheres que ela nunca havia visto na vida. Aquelas mulheres, juntas, reunidas, se sentiram privilegiadas por estarem na presença da aniversariante. Ela contou seus aniversários passados que foram entre sonos e bolos de padaria. Com as unhas rosa Pink, que contradiziam seu silêncio inicial, Maria da Celebração não via graça nos aniversários, mas aquelas mulheres do grupo emprestaram a ela sua felicidade em estar viva 29 vezes. Mal sabiam qual a história daquela mulher, mas sabiam que estar viva, no país que mata 1 mulher a cada 7 horas, era um grande motivo a ser celebrado.

Conclusões

Registrar estas histórias é dar voz a mulheres que não reconhecem os prejuízos e riscos de viver em uma sociedade machista e estigmatizadora. Denominadores comuns entre elas, como se reconhecer como mulher e usarem substâncias ao longo dos encontros passam a ser secundários a outros fatores que as aproximam. O objetivo de ofertar acolhimento e dar voz às mulheres têm sido atingido no reconhecimento de histórias e situações de vida similares. Compartilhando experiências vividas de violências explícitas ou sutis como a violência física e sexual, sobrecarga de tarefas, omissão de informações, abortos provocados por parceiros sem consentimento, negligência familiar, homofobias, entre outros. Devolvidas por meio das crônicas, elas ouvem suas histórias e as legitimam, possibilitando novos caminhos e desfechos. Faz-se importante um ambiente de cuidado horizontalizado na tentativa de sobrepor o “ser mulher” às relações terapeuta-usuária, transcendendo para relação mulher-mulher. Nas mulheres a droga não se estabelece como foco central das narrativas sobre suas vivências, mas como figurantes. Planeja-se a ampliação deste grupo em outros espaços e para outros públicos femininos e também a construção de um livro e publicações científicas.

Palavras-chave

Saúde Mental, Intervenção Psicossocial