Itajaí - SC
Reportagem especial: Itajaí-SC cria aplicativo para unir tecnologia ao controle inteligente da dengue
01/03/2024 15h49
Todos os dias, uma funcionária da Secretaria Municipal de Saúde do município de Itajaí, em Santa Catarina, sentava-se diante de uma pilha de formulários escritos à mão para digitar as informações enviadas pelos Agentes de Combate às Endemias (ACE) após as visitas domiciliares. Os dados sobre o controle das arboviroses eram inseridos em uma planilha em excel para depois serem contabilizados no sistema de informação do governo federal. O processo era reiniciado a cada semana e quando o fluxo de dados aumentava, a gestão precisava alocar mais um ou dois funcionários.
O desperdício de tempo, de papel e o sub-aproveitamento do trabalho foram os pontos de partida para a criação de um projeto que tem contribuído de forma significativa para acessar com agilidade as informações sobre a dengue e subsidiar a tomada de decisões. A iniciativa foi desenhada a partir de múltiplas dimensões. A primeira delas foi eliminar o papel. Com o desenvolvimento de uma ferramenta digital, o agente de endemias, munido de um tablet, lança as informações em tempo real no sistema do Ministério da Saúde.
Como todo trabalho do agente passou a ser georreferenciado, foi possível gerar diferentes informações em um mapa, que abordam questões como o número de visitas domiciliares, a presença maior de focos em determinado bairro, etc. Antes do sistema, muitas vezes eram necessárias duas semanas para que os gestores pudessem constatar, por exemplo, que havia mais profissionais atuando em áreas com menos focos do mosquito, já que os dados tinham que passar do papel para a planilha. O georreferenciamento permitiu a visualização em tempo real e, consequentemente, a realocação imediata.
"Nossa intenção inicial de eliminar o papel foi ultrapassada, pois não imaginávamos que o projeto se tornaria tão gigantesco. O sistema permitiu criar painéis de BI (Business Intelligence) onde podemos olhar a produtividade dos agentes de endemias, espacializar os dados e cruzar as informações no mapa", relata Fernando Carlos Proença, servidor de carreira do município e responsável pelos sistemas de informação da Secretaria de Saúde.
A iniciativa possibilitou ainda avançar e cruzar dados sobre o número de pessoas contaminadas e a quantidade de focos do mosquito em áreas da cidade. Embora pareça natural pensar que, onde há mais doentes existem mais focos do mosquito, essa conta não é tão exata porque para o Aedes aegypti infectar alguém, ele precisa ter contato com pessoas contaminadas. Pelo sistema, foi possível perceber que em determinados bairros havia mais doentes e menos focos, o que influenciou a decisão dos gestores de transferir equipes para os locais onde a doença avançava.
"O tablet veio para facilitar o nosso dia a dia no campo e o trabalho da administração. Todos os registros que fazemos vão direto para o Ministério da Saúde. Quando tínhamos formulário de papel e acontecia algum acidente, como molhar ou rasgar, a gente precisava preencher tudo de novo. A mudança facilitou demais e ainda temos menos coisas para carregar, como papel, lápis, borracha e prancheta", conta a agente de combate às endemias, Jeanne Spíndola Guterres.
A mudança representou um avanço importante na resolutividade do trabalho. Quando o agente finalizava o registro das informações de uma determinada rua, ele precisava fazer um "fechamento" dos dados, consolidando números como quantas residências visitadas, casas fechadas ou abertas, ações realizadas, registros de focos. Como no tablet é possível consolidar todos esses dados em um click, sobrou tempo para avançar nas visitas domiciliares. "A gente ganha uns 10 minutos e consegue fazer uma ou duas casas a mais ou resolver o problema de uma determinada residência. Também registramos com fotos casas que, por exemplo, estão fechadas mas representam risco para buscar possibilidades de entrar", acrescenta.
Outra frente de atuação surgiu a partir da ideia de reforçar o papel da sociedade como corresponsável pelo cuidado. A prefeitura de Itajaí conta com um aplicativo onde a população pode protocolar denúncias. Essa ferramenta passou a incorporar as informações dos cidadãos sobre os possíveis focos do mosquito, tornando-os, de certa forma, agentes de endemias. Todas as pessoas que se identificam ao realizarem as denúncias recebem um retorno sobre as providências tomadas.
Monitoramento
A experiência foi concebida antes da pandemia, mas os esforços para controlar a Covid-19 adiaram sua implementação até 2021. Na época, as arboviroses passaram a ser subnotificadas, o que comprometia a percepção do seu alcance em todo país. Impulsionado pelo sistema de informação, mas também pelo contexto epidemiológico, os casos notificados em Itajaí subiram.
"Criamos um ecossistema pensando em combater a dengue no município, mas não é o aplicativo que vai acabar com a doença. O que conseguimos foi aprimorar a gestão de maneira ímpar, gerindo o que temos de informação", relata Fernando. O sistema já contabilizou mais de 150 mil visitas dos ACEs, sem gerar nenhuma despesa com aquisição de papel, o que representa uma economia de 10 a 12 mil reais por ano com material impresso.
A tecnologia da Central de Monitoramento, desenvolvida na pandemia, também está sendo implementada desde o ano passado nos momentos de maior agravamento da dengue, para acompanhar os pacientes que tiveram o diagnóstico confirmado em Itajaí. Os exames positivos são encaminhados diretamente do laboratório para a Central, onde quatro enfermeiros fazem o acompanhamento por telefone. Em 2023, não foi registrado nenhum óbito por dengue em Itajaí.
O município tem em média 80 agentes de combate às endemias em trabalho de campo. Eles atuam em todos os bairros visitando residências e pontos estratégicos. O deslocamento é feito em equipes de 10 a 12 profissionais, com a presença de um supervisor. Através de um acordo de cooperação técnica com a Federação Catarinense de Municípios, o aplicativo foi disponibilizado gratuitamente para todas as cidades catarinenses.