Mantena - MG
Reportagem especial: descentralização do acesso a medicamentos especializados beneficia população de Mantena-MG
08/03/2024 14h48
O acesso a medicamentos de segunda geração para a atenção especializada é um desafio imposto ao poder público, considerando os limites orçamentários e a necessidade de maior organização do cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS). O município mineiro de Mantena, que tem aproximadamente 28 mil habitantes, foi o primeiro da microrregião de Governador Valadares a aderir à proposta do Estado de descentralização do componente especializado da assistência farmacêutica.
Isto significa que pacientes em acompanhamento especializado, que necessitam de remédios que não estão na lista de medicamentos básicos do SUS, agora podem ter acesso facilitado diretamente no município. Antes, a maioria não sabia a quem recorrer ou precisava encaminhar a solicitação para Governador Valadares, município sede da região de saúde. Mas os pedidos, muitos deles incompletos por insuficiência de dados, geravam comumente a recusa do governo estadual.
"A abertura do processo agora é feita dentro do município. Os farmacêuticos avaliam, fazem a fundamentação e encaminham para o Estado analisar, o que facilitou a aceitação das solicitações e a ampliação do acesso da população", explica a farmacêutica da Farmácia de Todos e do Ambulatório de Atenção Especializada, Rayana Ester Martins de Oliveira. Para que a mudança no fluxo de atendimento fosse efetivada, foi necessário investir em informação, possibilitando a conscientização dos profissionais e usuários.
Os profissionais foram orientados sobre a disponibilidade de determinadas medicações, que poderiam ser prescritas aos pacientes, em encontros de educação permanente, nas unidades de saúde onde atuam e por meio do grupo no WhatsApp. A população foi informada pelos recepcionistas das unidades de saúde, que passaram por treinamento, e em campanhas de comunicação na rádio, na tv e nas redes sociais. Pouco a pouco os protocolos foram sendo organizados de modo que o usuário, ao chegar com a solicitação de um remédio de alto custo, é encaminhado ao farmacêutico para verificar se o caso se enquadra nos critérios de aquisição dos medicamentos estabelecidos pelo Estado.
Os remédios de segunda geração são drogas mais modernas, que geralmente apresentam menos efeitos colaterais. A lista de medicamentos disponíveis é extensa, voltada ao tratamento de mais de sessenta doenças. As mais comuns, que demandam maiores solicitações, são doenças relacionadas à saúde mental, como esquizofrenia e distúrbio bipolar, dores crônicas, diabetes, artrite reumatóide, doenças respiratórias, dentre outras. "Tivemos muitos avanços quando os médicos souberam da possibilidade de prescrever medicação de segunda geração, o que evitou agravos à saúde e adesão real ao tratamento", acrescenta a autora da experiência.
O projeto, iniciado em 2023, promoveu um aumento de mais de 800% na solicitação de medicamentos - de 20 para quase 402 processos de fornecimento de medicamentos ativos. As solicitações são feitas na Farmácia de Todos, que realiza a abertura e a dispensação dos processos aprovados. No total, 309 pacientes estão sendo beneficiados no tratamento medicamentoso das doenças.
Em alguns casos, os custos para fornecer as medicações são tão altos, que sem a presença do Estado seria impossível ter acesso. O tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME), por exemplo, pode chegar a um milhão de reais por mês. Para deter o avanço da Artrite Reumatóide, é necessário em média quatro aplicações mensais de um remédio que custa 4 mil reais por ampola. "É melhor fazer a prevenção do agravo do que a remediação dos problemas. A gente trouxe qualidade de vida e esperança aos usuários. É incrível ver o paciente de saúde mental estabilizado, trabalhando, a partir do momento em que ele consegue a medicação de segunda geração. A gente vê a criança com TEA, com TDH, evoluindo, em um processo cuja humanização é fundamental", reforça Rayana.
Judicialização
Garantir o acesso é, sem dúvida, o maior atributo do projeto e, embora custear algumas medicações de alto custo represente oneração ao Estado, a iniciativa também trouxe economia para os cofres públicos. O projeto reduziu significativamente a judicialização - quando a população recorre à justiça para garantir o acesso -, promovendo resolutividade. Hoje, a população vai primeiro à farmácia e só em último caso recorre ao Ministério Público, que, por sua vez, antes de entrar com um processo, consulta a Secretaria de Saúde em busca de alternativas. Antes diários, os ofícios de notificação do poder público pelo judiciário chegam apenas uma ou duas vezes por mês e quando chegam.
A mãe e o avô de Marcos Antônio Ferreira são acompanhados pela assistência farmacêutica especializada do município, ambos com diagnóstico de esquizofrenia. Eles utilizam a droga Olanzapina. "A primeira crise do meu avô, eu nem lembro. Era bem criança e só ouvi comentários. A minha mãe teve a primeira crise aos 26 anos, quando eu tinha 6 anos de idade, aproximadamente. Ela teve vários surtos psicóticos no decorrer dos anos e já faz bastante tempo que faz uso do medicamento", relata.
Antes da instalação do primeiro CAPS no município, só era possível adquirir a medicação com a ajuda financeira de familiares, considerando que a mãe e o avô não tinham condições de trabalhar. "Não havia nenhum benefício, nem assistencial, nem de prestação continuada, o que tornava o tratamento mais difícil, fazendo com que as crises fossem reincidentes. Com a abertura do CAPS e o trabalho da assistência farmacêutica especializada, foi iniciado o tratamento e hoje eles seguem estabilizados com o uso correto da medicação", complementa.
A história familiar de Marcos o levou a mergulhar no tema, o que resultou em uma formação em Enfermagem e uma pós-graduação em Saúde Mental. Hoje, ele atua no CAPS de Mantena, onde sua mãe, Claudiane Lopes Ferreira, é paciente. "Na condição de familiar, é muito satisfatório ver a importância do acesso para a evolução da minha mãe. Como profissional, eu vejo o quanto os pacientes ficam felizes quando recebem orientação da equipe multidisciplinar. A gente articula, encaminha as solicitações e a Farmácia de Todos do município dá andamento aos processos, fazendo com que o paciente tenha acesso ao medicamento. Isso é magnífico!", finaliza.