Orleans - SC
Reportagem especial: homenagear as mulheres como forma de ajudá-las a cuidar da saúde - a estratégia da APS de Orleans-SC
17/04/2024 18h29
Quase todas as mulheres já devem ter ouvido falar sobre a melhor forma de evitar o câncer de colo de útero através da realização do exame preventivo, conhecido como Papanicolau. No entanto, dezenas delas ainda não o fizeram na idade recomendada, por desinformação sobre como buscar o procedimento ou por dificuldade de acesso. No município de Orleans, em Santa Catarina, um projeto aparentemente simples tem mudado os indicadores de coleta citopatológica de forma significativa.
A ideia partiu da constatação da enfermeira e gerente da Estratégia Saúde da Família São José, Bruna Sávio Lotin Gonzaga, sobre a baixa cobertura do exame preventivo. Especialista em Saúde da Mulher e há três anos trabalhando na unidade, ao indagar as usuárias sobre a baixa adesão, percebeu que na maioria dos casos se tratava de desconhecimento sobre a oferta do exame ou até mesmo a ausência de uma cultura de prevenção, considerando que em outras unidades a cobertura também era baixa.
Como o público alvo vinculado à unidade de saúde é formado por cerca de 900 mulheres, entre 25 e 64 anos, a unidade não teria estrutura para realizar uma campanha em massa de adesão ao exame, considerando que há apenas uma equipe de saúde da família em atuação. Surgiu então a ideia de atualizar o cadastro das usuárias e mandar cartões de felicitações pelo aniversário, aproveitando para reforçar a importância do cuidado preventivo com a saúde através da realização da investigação epidemiológica.
"O convite para a realização do exame ao longo do mês de aniversário era uma forma de ter maior distribuição das demandas em todos os meses do ano, bem como, de estimular o autocuidado da mulher associando-o ao seu aniversário", explica a coordenadora. A coleta era feita por livre demanda e acesso irrestrito, bastava ligar para a unidade e confirmar a presença da enfermeira responsável pelo procedimento, que no caso era a própria coordenadora da unidade.
Na primeira fase do projeto, iniciado em 2021, os cartões de aniversário eram encaminhados via WhatsApp por conta do isolamento imposto pela pandemia. No entanto, Bruna percebeu que a mensagem não estava chegando a muitas mulheres, por desatualização do número de contato ou dificuldade de acesso à internet. O projeto passou então a contar com a participação das agentes comunitárias de saúde, que entregavam os cartões nas residências e ainda davam orientações sobre a conduta adequada para a realização do exame.
"No cartão, eu escrevia o nome de cada uma à mão, com a seguinte mensagem: 'Feliz aniversário. O melhor presente é cuidar da sua saúde'. O projeto aumentou não só a cobertura do exame preventivo, como o vínculo com as mulheres. Elas passaram a se sentir prestigiadas porque, muitas vezes, nem mesmo a família lembrava que era o aniversário delas", relata Bruna.
O resultado surpreendeu a equipe com um aumento de 49% na procura pelo exame no primeiro quadrimestre de 2022 para 2023, indicativo que vem crescendo a cada ano. Segundo a coordenadora, chegaram mulheres que não faziam o exame há cerca de 30 anos. Em 2022, dez por cento das coletas tinham alguma alteração, que poderia, sem o tratamento adequado, resultar no desenvolvimento do câncer de colo de útero.
Financiamento
A iniciativa também teve a importância de contribuir com a metodologia de financiamento do Programa Previne Brasil, do governo federal. O programa estabelece indicadores de avaliação, que determinam a destinação de mais ou menos recursos para financiar as ações da Atenção Primária à Saúde (APS). Dentre eles está "a proporção de mulheres com coleta de citopatológico na APS". De 2021 para 2022, houve um aumento no número de coletas de cerca de 52%, passando de 77 para 117 exames.
Melhores estratégias de comunicação com a comunidade e o fim da pandemia se somaram ao projeto para contribuir com indicadores tão positivos. Quando o trabalho foi premiado na 18ª Mostra Brasil, aqui tem SUS, gerou na equipe uma vontade de continuidade, fruto da percepção de estar no caminho certo. Atualmente, outro projeto semelhante está em andamento para aumentar a cobertura vacinal infantil. No aniversário das crianças, as agentes comunitárias de saúde também irão entregar cartões de aniversário alertando as famílias para a importância da imunização.
"A gente acha que precisa criar coisas mirabolantes, mas é muito simples, é cuidar das pessoas como a gente gostaria de ser cuidado. Eu achava que o trabalho era tão pequeno, mas após a premiação percebi que não era, o que me levou a ter vontade de continuar", destaca Bruna, uma profissional que se formou há 12 anos em uma universidade pública, fez residência em uma instituição pública e há nove anos atua no SUS. "Sempre fui SUS".
Experiência premiada na 18ª Mostra Brasil, aqui tem SUS.