Marília - SP
Reportagem especial: Marília-SP oferece cuidado intesetorial para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
26/07/2024 12h32
Toda criança e adolescente vítima de abuso sexual deve ser protegida e acompanhada pelo poder público a partir de múltiplas dimensões de cuidado, que envolvem saúde, educação, segurança pública e seguridade social. Considerando a complexidade no enfrentamento desse tipo de violência, o município paulista de Marília (SP) desenvolveu um projeto baseado em três ações fundamentais: escuta qualificada, notificação e intervenções preventivas.
A motivação para a iniciativa foi a constatação, por parte da Equipe Técnica da Saúde da Criança, de uma baixa notificação dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Os profissionais da pediatria identificavam sinais de abuso sexual, mas quando verificavam no sistema de notificação, aquele caso não havia sido registrado. "Assim, observamos uma vulnerabilidade das equipes de saúde em atuar com crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Sem indicadores, não priorizávamos os casos e não capacitávamos profissionais para trabalhar com tais situações", detalha a pediatra Vivian Tamiello Reverete,
então responsável pela área técnica de Saúde da Criança.
O primeiro passo foi reunir diversos setores da própria Secretaria de Saúde para pensar em soluções conjuntas. Diante da percepção de que a área da Saúde não seria capaz de responder a todas as demandas que envolvem cada caso, outros atores foram convidados, o que resultou na criação do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Criança e Adolescente do Município de Marília.
Quem integra o Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Criança e Adolescente de Marília
Na área da Saúde: Saúde Mental, Saúde da Mulher, Saúde do Adulto, Apoio Técnico, Saúde Bucal, Saúde do Trabalhador e Assistência Social da Saúde.
Parceiros Intersetoriais: Educação, CREAS, Delegacia da Mulher, Conselho Tutelar, Direitos Humanos e Polícia Militar.
A partir da iniciativa, foi possível estabelecer um fluxo único de notificação e regular o percurso que leva ao acompanhamento, desde o instante em que há suspeita de violência. "Juntamos no Comitê todos os órgãos que lidam com crianças e começamos a capacitar os envolvidos. Eu, por exemplo, mostrava para os profissionais de saúde os exames físicos que demonstram os sinais de alerta", conta Vivian. O Comitê se reúne a cada 15 dias.
Uma das questões que dificultava as notificações era o receio de alguns profissionais de saúde em notificar casos suspeitos, sem confirmação, por medo de cometer injustiça. Daí a necessidade de um processo de educação permanente para conscietizá-los sobre o seu papel na complexa rede de proteção contra a violência sexual. "A qualificação através da educação continuada permite que profissionais que lidam diretamente com crianças e adolescentes possam identificar os casos suspeitos e perceber que a notificação de suspeita é diferente de uma acusação". Dessa forma, o projeto contribuiu para diminuir os casos de omissão e medo diante da constatação de que não cabe à equipe de saúde a investigação criminal e sim a comunicação às autoridades e a oferta de cuidados às vítimas e familiares.
Interrupção da violência
Crianças em situação de violência sexual têm prioridade na rede de saúde para o acompanhamento psicológico. De acordo com a médica responsável pela implantação do
projeto, todos os órgãos têm que atuar conjuntamente. Caso o promotor, por exemplo, não leve a denúncia adiante, a criança corre o risco de voltar para as mãos do abusador. "Nós, da
saúde, só podemos chegar até um determinado ponto. Mas procuramos oferecer tudo que está
disponível frente às nossas possibilidades", enfatiza Vivian.
O projeto conseguiu, segundo a pediatra, instaurar um modelo bem mais favorável de proteção. "Havia casos de crianças que seguiam sendo violentadas porque não tinha notificação. Como mãe, como pediatra, é uma satisfação muito grande poder enxergar que quase todos os profissionais das unidades de saúde estão aptos a identificar situações que necessitam de notificação. Hoje acalma o coração ver que as crianças vão ter o suporte psicológico, o que faz grande diferença na vida delas".
A escola, inclusive, começou a fazer capacitações para que as crianças identifiquem situações de abuso e saibam dizer não e denunciar. "Com o trabalho em equipe, a gente conseguiu sensibilizar todo mundo para se mobilizar e se envolver. A criação do Comitê deu estabilidade ao projeto porque quando uma Secretaria vê outra envolvida no trabalho, acaba se envolvendo também. Um gesto positivo é capaz de transformar a vida de muitas crianças", finaliza a autora.
FLUXO DE ATENDIMENTO
Diante da suspeita ou violação confirmada, os profissionais de saúde deverão realizar os seguintes procedimentos:
Casos Agudos (quando a vítima é atendida nas 72h após a violência):
1. Acolher a queixa e realizar os primeiros atendimentos
2. Encaminhar para atendimento no Hospital Materno Infantil –HMI (referência para
casos de violações agudas)
3. Comunicar o Conselho Tutelar para garantia da proteção da criança/ adolescente e
Polícia Militar (PM).
4. Preencher a ficha do SINAN
5. O HMI deve realizar os procedimentos necessários e encaminhar para monitoramento
(sorologias e psicologia) no SAE (Serviço de Atendimento Especializado).
6. A APS (Atenção Primária à Saúde) deve ser comunicada para continuidade do
cuidado com a família.
Casos Crônicos (quando a vítima é atendida após as 72h da violência):
1. Acolher a queixa e realizar consulta minuciosa da criança/adolescente sem revitimizar
(não realizar questionamentos acerca da violação de direitos)
2. Encaminhar para acolhimento/atendimento psicológico para referência da própria
Unidade de Saúde, com garantia de atendimento prioritário.
3. Comunicar ao Conselho Tutelar, para garantia da proteção da criança/adolescente.
4. Preencher a ficha do SINAN