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Cristino Castro - PI

Reportagem especial: projeto cria atendimento multiprofissional para acompanhar crianças com TEA em Cristino Castro (PI)


02/08/2024 17h36

Muitos municípios brasileiros têm se confrontado com a necessidade de criar condições de acompanhamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em função do crescimento deste diagnóstico no Brasil. No município piauiense de Cristino Castro, a estratégia de cuidado foi desenhada a partir de um trabalho intersetorial que envolve Saúde, Educação e Assistência Social. Era comum nas escolas da cidade os relatos de professores que não sabiam lidar com as especificidades das crianças com TEA e, na saúde, faltava um atendimento multiprofissional específico para os casos.

Para promover mudanças estruturais, o município instituiu a Política Municipal de Proteção aos Direitos da Pessoa com TEA em maio de 2022. A lei prioriza a atuação em três frentes: atendimento especializado, incentivo à capacitação de professores e emissão de carteirinhas de identificação das crianças com TEA. "Nós acreditamos que o surgimento de novos casos tenha uma relação com o aumento dos diagnósticos e a ampliação da incidência de autismo entre crianças. A cobrança dos pais e a elevação da procura pelo serviço nos fez elaborar a política", conta a psicóloga Marisa Ferreira Rocha, então coordenadora do projeto.

No Centro de Reabilitação do município foi implantado um atendimento multiprofissional, especializado em ABA (Análise do Comportamento Aplicado). A partir de um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), as crianças são acompanhadas e seus casos são discutidos em grupo. A equipe de saúde também acompanha o seu desenvolvimento nas escolas. No total, 52 crianças estão sendo assistidas, sendo algumas com diagnóstico de TEA e outras com TDH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) e deficiência intelectual.

No Centro de Reabilitação, atuam profissionais das seguintes áreas:
- Fonoaudiologia;
- Psicologia;
- Terapia ocupacional;
- Psicopedagogia;
- Assistência social.

Cada criança recebe cuidado individualizado, a equipe é composta por 15 profissionais e 52 crianças estão em atendimento.

Um dos diferenciais do projeto na educação é a presença de "acompanhantes", que trabalham diretamente nas escolas dando suporte individual para as crianças. Para exercer a função, esses profissionais vinculados à educação passam por um treinamento teórico e prático de 40 horas, visando aprender a lidar com as necessidades dos usuários. Os acompanhantes atuam sob supervisão de profissionais de saúde de forma personalizada e em grupo para estimular a troca de experiências.

"Observamos muitos resultados positivos, como mudança de comportamento das crianças, que não conseguiam se manter na sala de aula; dos professores, que não sabiam como lidar; dos alunos com seletividade alimentar, que não bebiam nem água na escola. Hoje, eles conseguem desenvolver atividades, permanecem na sala, se alimentam pelo menos com o básico e muitos já receberam alta no acompanhamento fonoaudiológico e psicológico por atingirem um marco de desenvolvimento", conta a secretária.

Acompanhamento Educacional

- Nas escolas, as crianças passam a ser acompanhadas através de um Plano de Ensino Individualizado (PEI), onde são traçadas as habilidades, as metas e os objetivos de acordo com suas especificidades;
- O Plano é desenvolvido pelos profissionais de saúde com o propósito de ser aplicado pelos professores e acompanhantes;
- A equipe de saúde realiza visita mensal às escolas para verificar o andamento do projeto e o desenvolvimento das crianças;
- A experiência contempla qualquer escola do município, com alunos de 2 anos até 13 anos em média.

Mobilização

Alzilene Teles de Barros é mãe de Otávio, uma criança de sete anos diagnosticada com autismo e TDH. Até 2021, segundo o relato da mãe, não havia nenhum atendimento no município para acolher e cuidar das crianças com essas necessidades. O custo do acompanhamento na rede privada inviabilizava o acesso da maioria. Era necessário o deslocamento para Teresina ou Bom Jesus para buscar ajuda especializada.

O contexto desfavorável motivou a criação de uma associação de pais - Anjos Azuis - cuja mobilização resultou na adesão da Prefeitura e, consequentemente, na criação do projeto. "O trabalho do Centro de Reabilitação é maravilhoso; eu vejo a diferença no meu filho. Todos os profissionais nos atendem com muito carinho," elogia a mãe de Otávio.

Uma das vertentes do projeto é a preocupação em preparar as famílias para lidar com o comportamento das crianças. Alzilene conta que durante um curso promovido pela Secretaria, ela aprendeu a entender melhor o filho, diferenciando a birra da crise. "Minha relação com ele melhorou muito. Comparando o Otávio de hoje com o de dois anos atrás, vemos outra criança". O jovem recebe acompanhamento da terapeuta ocupacional, psicopedagogo, fonoaudióloga, psicóloga e neuropedagoga. No seu caso, não foi necessária a presença do acompanhante na escola.

"A experiência foi muito rica porque todo projeto, para ser implementado, tem suas dificuldades, mas a gente percebe como mudou a vida das famílias e crianças. Em uma cidade pequena e sem suporte, o impacto do diagnóstico é muito grande para os pais, que se sentem desamparados, com medo do futuro. Mas conseguimos mostrar para a sociedade que é possível desenvolver o potencial das crianças, a autonomia, quebrando tabus. O projeto é muito respeitado, visto como modelo", conclui a secretária.

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