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Paula Freitas - PR

Reportagem especial: notificação dos casos de câncer relacionados ao trabalho fortalece política de prevenção em Paula Freitas (PR)


09/08/2024 15h03

O surgimento de casos de câncer de pele no município paranaense de Paula Freitas, cuja população gira em torno de 6 mil habitantes, chamou a atenção dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), que começaram a identificar a relação entre a doença e as condições de trabalho. Embora a cidade tenha pouca densidade populacional, uma das suas características é a vasta extensão rural, o que estimulou o desenvolvimento da economia em torno da agricultura familiar e da plantação do tabaco.

Desde 2004, o Brasil tornou obrigatória a notificação compulsória do câncer associado à exposição do trabalhador a agentes cancerígenos, presentes nos processos e ambientes de trabalho. A Lei 6.259, de 30 de outubro de 1975, é ainda mais abrangente ao determinar que profissionais de saúde ou responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde, que prestam assistência ao paciente, notifiquem compulsoriamente qualquer doença e agravo relacionado ao trabalho. A notificação é o primeiro passo na direção de políticas públicas que evitem a exposição do trabalhador às condições propícias ao adoecimento.

Embora a legislação avance, ainda é necessário sensibilizar gestores e profissionais de muitos municípios brasileiros, no sentido de incorporar essa prática no cotidiano do trabalho. Foi nessa direção que o município paranaense de Paula Freitas iniciou um projeto para intensificar a notificação compulsória do câncer no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), contribuindo para a construção de políticas que incidam sobre os determinantes sociais da saúde.

"Nós chegamos aos usuários através das visitas domiciliares e do trabalho nas unidades de saúde, quando começamos a relacionar as doenças ao trabalho. Alguns desses pacientes foram a óbito e outros estão sendo tratados e acompanhados. Precisamos avançar nas políticas públicas que possam prevenir uma doença tão séria como essa, mas para isso é necessário ter dados confiáveis.", conta a enfermeira e coordenadora da APS e da Vigilância em Saúde, Flávia Taís Waismann.

Em 2020, os profissionais foram capacitados na 6ª Regional de Saúde com o objetivo de sensibilizá-los para a importância das doenças relacionadas ao trabalho. Em Paula Freitas, a presença de muitos trabalhadores rurais contribuiu para que o município elegesse o câncer de pele como foco prioritário para as notificações. Entre 2020 e 2023,foram notificados 13 casos - sendo dez de câncer de pele e três de câncer de bexiga. Até então não havia nenhum registro no Sinan de câncer relacionado ao trabalho no município.

A atenção aos casos de câncer de bexiga vieram após a participação do município no II Seminário de Câncer Relacionado ao Trabalho, promovido pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) e pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (SESA). A cidade de Paula Freitas foi convidada para apresentar sua experiência, justamente por se tratar de um município de pequeno porte com um grande número de notificações, quando comparado a outras cidades do Paraná. No evento, os profissionais foram sensibilizados sobre o câncer de bexiga e sua estreita relação com as atividades do pintor, em virtude do contato com aminas aromáticas e benzeno.

Ação em campo

O papel dos agentes comunitários de saúde (ACS) foi fundamental para fazer o primeiro levantamento dos casos de câncer e encaminhá-los aos profissionais para investigar a correlação com o ambiente de trabalho. "Eu tinha uma lista de todas as pessoas com câncer na minha microárea e fui orientado a notificar para ajudar na prevenção. Olhando em cada prontuário, para ter uma noção de qual câncer seria e o que poderia ter causado, cheguei à conclusão de que os casos de três ou quatro pacientes poderiam ser relacionados ao trabalho", explica o agente comunitário de saúde, Kleisson Luis Fiduniv.

Kleisson reconhece a importância dessa iniciativa pelo seu potencial de ação para evitar a perpetuação de condições favoráveis ao adoecimento. "O município precisa ter uma noção de quantas pessoas têm câncer em decorrência do trabalho para fazer a prevenção - o uso de protetor solar, dos equipamentos contra defensivos agrícolas, etc. Aqui na minha microrregião, 90% da população trabalha com agricultura, então as equipes de saúde teriam que atuar em cima disso mesmo", reitera.

Nas visitas domiciliares, os agentes conversam com as famílias e preenchem um formulário com uma espécie de estratificação de risco, relacionando todas as comorbidades à doença. Uma vez realizada essa primeira triagem, os ACS encaminham as informações à enfermeira e à técnica de enfermagem, que ao correlacionarem o câncer às condições laborais, fazem a notificação no Sinan. "A gente notifica para que as informações cheguem onde precisam chegar", complementa Flávia.

"É importante pensar uma política de proteção das pessoas nos ambientes de trabalho através da disseminação de informações. Boa parte da população é constituída por agricultores familiares que estão há 60 anos submetidos à exposição solar, que começou quando ainda eram crianças. Em todas as ocasiões, como na festa do agricultor, estamos presentes trabalhando educação em saúde como forma de prevenir os agravos", conclui a autora da experiência.

Experiência premiada na 18ª Mostra Brasil, aqui tem SUS.