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São Caetano do Sul - SP

Reportagem especial: projeto cria linha de cuidado para pessoas com obesidade em São Caetano do Sul (SP)


29/08/2024 17h50

A Organização Mundial de Saúde estima que pelo menos 650 milhões de adultos estejam obesos. Da década de setenta para cá triplicou a obesidade no mundo e, no Brasil, segundo pesquisa nacional de saúde de 2020, aproximadamente 41,2 milhões de pessoas têm obesidade, o que corresponde a um em cada 4 indivíduos maiores de 18 anos. As causas para o excesso de peso são multifatoriais e, portanto, não há um único caminho para o seu enfrentamento.

A cirurgia bariátrica, recomendada para casos mais graves, deve ser acompanhada de uma série de cuidados que nem sempre vêm sendo observados em alguns municípios brasileiros. Na região de saúde do Grande ABC, no estado de São Paulo, dois hospitais regionais ofertam cirurgias bariátricas para sete municípios. No entanto, um levantamento revelou um índice de insucesso pós cirúrgico de 60%, o que levou o Ministério Público a elaborar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e suspender as cirurgias temporariamente na região.

Era 2018 quando os municípios do ABC, provocados pelo Ministério Público, se organizaram para construir conjuntamente a Linha de Cuidado sobre Peso e Obesidade. Através de um processo de educação permanente, criou-se um grupo técnico que desenvolveu um projeto de seis meses, com encontros regionais e cinco oficinas municipais para que cada cidade construísse sua própria linha de cuidado. Um dos municípios cuja experiência foi bem sucedida foi São Caetano do Sul, que contava com um bom investimento em saúde - em torno de 35% - e uma equipe de cirurgia bariátrica atuando na cidade.

"Paramos tudo e fomos fazer a construção da linha de cuidado, com oficinas que envolviam os agentes de saúde, enfermeiros, técnicos de enfermagem, endocrinologistas e cirurgiões. Através da educação permanente, elaboramos o projeto de forma ascendente, com muitos encontros", conta Christiane Laporta, dentista, que atua na Educação Permanente do município desde 2013.

Foi com as escolas que o projeto consolidou as ações de promoção da saúde e prevenção da obesidade que já vinham sendo desenvolvidas pelo Programa Saúde na Escola (PSE). São Caetano do Sul possui 67 escolas municipais, onde estudam cerca de 22 mil alunos. Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), o projeto se uniu ao trabalho do Hiperdia (Programa de Hipertensão Arterial e Diabetes) para, através do Grupo de Qualidade de Vida, estimular uma alimentação saudável e a realização de atividades físicas. O público alvo são pessoas com sobrepeso e obesidade grau 1.

Para dar continuidade à iniciativa e abranger adultos com grau 2 de obesidade, foi criado o Grupo Saúde Diária, voltado a usuários a partir de 18 anos com IMC (Índice de Massa Corporal) acima de 35. Essas pessoas já têm uma possível indicação para cirurgia bariátrica porque a obesidade afeta o seu cotidiano, seja através de limitação das atividades diárias, da redução da autoestima ou do surgimento de doenças crônicas em consequência do sobrepeso.

"O enfoque não é a perda de peso, é a saúde e, como consequência, a perda de peso. As dietas restritivas não funcionam. A gente não trabalha com restrição alimentar, mas com a reeducação alimentar, daí a importância da atuação conjunta entre a psicóloga e a nutricionista", avalia Christiane. Somente no final do programa e mediante uma avaliação da nutricionista, da psicóloga e do médico de família, o usuário que não conseguiu mudar seus hábitos pode ser indicado para a cirurgia bariátrica realizada pelo Estado ou município. No entanto, muitos saem do grupo recebendo alta.

COMO FUNCIONA O GRUPO SAÚDE DIÁRIA

Cada grupo é constituído por 15 munícipes?
- Eles são acompanhados por dois anos pela nutricionista e a psicóloga;
- As duas profissionais conduzem reuniões quinzenais juntas para abordar temas relacionados à obesidade;
- Para ingressar, o usuário faz uma consulta com a nutricionista, o médico de família, o dentista da UBS e passa por uma avaliação antropométrica;
- A cirurgia bariátrica só pode ser indicada, caso necessário, pela equipe multiprofissional no final do programa.

Casos cirúrgicos

O que pode explicar uma incidência tão alta de casos em que as cirurgias bariátricas não deram certo? Primeiro é importante considerar as possíveis reações ao procedimento, como
nos casos em que as pessoas voltam a engordar ou transferem suas compulsões, ampliando, por exemplo, o consumo de bebida alcoólica. Como os fatores que levam ao excesso de peso
são complexos, o enfrentamento das causas precisa considerar múltiplos componentes.

Para dar conta das questões que envolvem os usuários submetidos à cirurgia para redução de peso, o município de São Caetano do Sul criou um grupo de pós bariátrica, que oferece
acompanhamento pela equipe cirúrgica, a psicóloga e a nutricionista por no mínimo 18 meses. "A pessoa pode ficar enquanto houver o grupo e se for munícipe. Tem gente que está
há 10 anos. Depois de 18 meses, caso tenha indicação, pode fazer a cirurgia plástica reparadora para a remoção do excesso de pele", descreve Christiane. Nesses casos, o projeto chega ao seu momento final, em que o usuário sai da linha de cuidado, mas pode continuar no grupo.

Há um ponto, no entanto, que precisa ser observado quando se trata do acompanhamento de pacientes com sobrepeso: a infraestrutura das unidades de saúde. Como Christiane chama
atenção, os equipamentos de saúde não estão adaptados para receber pessoas com sobrepeso. Quem tem mais de 200 kg não pode ser operado porque a maca cirúrgica só suporta até 170
kg. Nem todas as unidades de saúde têm braçadeira para obesos, o que impossibilita aferir a pressão, e há carência de cadeiras adaptadas e equipamentos de imagem que se adequem a
pessoas com mais de 150 kg.

"O SUS não é universal? Não é para todas as pessoas? A obesidade é uma pandemia e não me parece, pelo aumento da série histórica, que o tratamento seja simples, justamente porque
é um problema complexo. As pessoas obesas chegam às unidades de saúde e não se sentem pertencentes, até mesmo pelo comportamento de alguns profissionais de saúde para quem a
obesidade chega antes. Eles dizem: - Primeiro, você precisa emagrecer e depois a gente cuida do resto", reflete a dentista.

Metabolicamente, a cirurgia bariátrica é um procedimento intenso, que exige um acompanhamento criterioso. Longe de ser o fim da linha, deve representar um recomeço.

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