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Autazes - AM

O desafio de vacinar populações indígenas durante uma pandemia


01/10/2021 13h39 - Atualizada em 01/10/2021 13h39

Autazes, no Amazonas, registra alta taxa de cobertura vacinal contra Covid-19 nos 8.500 indígenas que vivem em aldeias na região

 

O município de Autazes se desenvolveu ao redor da terra indígena Pantaleão, que reúne cerca de 15 mil pessoas da etnia Mura. Esses povos representam 30% da população do município, estimada em 40 mil habitantes. A proximidade geográfica com terras não indígenas levou quase metade dos Mura a se deslocar de suas aldeias para viver entre os ribeirinhos ou nos centros urbanos, tendo inclusive perdido a sua língua materna. O acesso para chegar a maior parte das 33 aldeias espalhadas no território acontece por via fluvial. Durante a pandemia, o isolamento da população nativa e a vacinação foram as principais estratégias para evitar a contaminação em massa.

Autazes localiza-se na região metropolitana de Manaus, portanto, está na área de abrangência do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) da capital do Amazonas, juntamente com outros 15 municípios.  A unidade gestora do governo federal é responsável por garantir a atenção à saúde dos povos indígenas aldeados, incluindo a imunização contra a Covid-19. Juntamente com quilombolas e demais povos tradicionais, os indígenas estão entre os grupos prioritários para receber a vacina, de acordo com o Plano Nacional de Imunização (PNI). Em Autazes são 8.500 indígenas cadastrados no DSEI, que vivem nas 33 aldeias.

“Iniciamos o processo de vacinação no dia 19 de janeiro de 2021 e temos atualmente 86% de cobertura da primeira dose e 78% de cobertura da segunda dose”, atesta o coordenador do DSEI Manaus, Januário Carneiro da Cunha Neto. Segundo ele, há vacina suficiente para toda população aldeada, mas a cobertura não chegou ainda a 100% porque alguns cadastrados não foram localizados ou se recuperam de doenças relacionadas à síndrome gripal. O DSEI Manaus está realizando busca ativa para atingir a meta vacinal.

O desafio que se coloca à vacinação dos povos indígenas é a distinção entre os que vivem e os que não vivem nas aldeias como critério estabelecido pelo governo federal para incluir essa população no grupo prioritário. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o país possui 896 mil indígenas, dos quais 324 mil (36,2%) residem na zona urbana. Quase a metade dos Mura mora no centro urbano ou nas regiões ribeirinhas de Autazes e por isso não estão entre as prioridades de imunização. Eles estão sendo vacinados pela Secretaria Municipal de Saúde de acordo com critérios estabelecidos para toda população no PNI. 

“Estamos trabalhando com todos os imunizantes autorizados pela Anvisa desde o início da campanha, seguindo a nota técnica do Programa Nacional de Imunização. Para vacinar os indígenas não aldeados, contamos com a participação das Equipes de Saúde da Família que atuam em cada uma das nove comunidades localizadas na zona ribeirinha”, explica a secretária municipal de saúde de Autazes, Raquel Lourenço Pereira. Ela conta que quando chega estoque das vacinas, a gestão realiza mutirões para garantir a imunização do maior número de pessoas. Em um único dia chegaram a ser vacinados mais de 3 mil moradores.

Raquel era enfermeira de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) quando assumiu o desafio de liderar a pasta da saúde em Autazes. Ela comemora a fase atual atravessada pelo município, onde não há internações por Covid-19 e são registrados poucos casos, com sintomas leves. “É tudo novo para mim, mas tenho o apoio de muitas pessoas para que a saúde seja primordial no nosso município. O SUS é fundamental, pois através dele é garantido o direito à saúde para os que não têm condições econômicas”.

A enfermeira Naymara Moreira Serudo, residente na zona rural de Manaus, também se uniu em plena pandemia aos profissionais de saúde que atuam no SUS. Neta de indígenas da aldeia Muritinga, ela atua em uma unidade de referência. “Depois de estudar fora, voltei para o interior porque há muita carência de atendimento. Um dos desafios é aprender a tomar decisões, pois o enfermeiro está muitas vezes sozinho na unidade. Graças a Deus perdemos poucos pacientes por complicações na pandemia”, comemora. 

Ela lembra que logo que chegou o primeiro lote das vacinas, a maioria das doses foi destinada às aldeias. Murutinga, por exemplo, recebeu mais de 2 mil doses e garantiu a vacinação da população local. “A nossa única proteção nesse momento é a vacina. Nós efetuamos o cadastro dos que estavam de fora para não perderem a imunização e sempre fazemos orientação nas consultas para evitar recusa à imunização. Existe resistência, mas é pequena. Felizmente no nosso estado a população indígena e ribeirinha tem sido contemplada. ”

Isolamento

A disseminação da Covid-19 entre a população que vive nas aldeias do estado do Amazonas foi considerada proporcionalmente baixa.  No âmbito do DSEI Manaus, responsável por 30.240 indígenas de 16 municípios, foram confirmados 1.255 casos e 24 óbitos ao longo da pandemia. No Polo Base Pantaleão, onde está localizado o município de Autazes, houve 56 casos registrados e cinco óbitos. Com o advento das vacinas, a situação se tornou mais favorável. Os números dão conta de uma realidade que associa a atuação do poder público ao papel fundamental exercido pelos próprios indígenas para evitar uma disseminação em massa.

Uma das portas de entrada do município, a aldeia São Felix fechou, não permitindo a circulação de ninguém, fato que se repetiu em cerca de 90% das aldeias. Nas regiões cujo acesso só é possível pelo rio, eles criaram no início da pandemia barreiras de contenção através de grandes troncos de árvores para impedir a entrada ou a saída da população. Nas aldeias com via de entrada terrestre, o controle do fluxo de pessoas foi realizado através de porteiras vigiadas 24 horas por dia pelos indígenas.

Os profissionais de saúde do DSEI também cumprem um protocolo de segurança rigoroso no intuito de evitar a disseminação da doença nesses espaços. Todos são testados mensalmente e cumprem quarentena de dez dias para entrar nas áreas indígenas, além de usarem equipamentos de proteção individual (EPI) e se manterem nas aldeias por algum tempo sem sair para garantir a atenção à saúde dessa população. “Continuamos estimulando as barreiras sanitárias, o uso de EPIs, a etiqueta respiratória e a educação permanente para evitar exposição”, revela o coordenador do DSEI Manaus, Januário Carneiro. Como resultado de múltiplos esforços, nenhum caso de Covid-19 foi registrado nas aldeias de Autazes nos últimos três meses.

 

Reportagem: Giovana de Paula – colaboradora externa do Conasems