Caicó-RN desenvolve política intersetorial de saúde mental
18/03/2022 17h00 - Atualizada em 18/03/2022 17h00
O município focou em ações para egressos de internações psiquiátricas e população carcerária
Caicó-RN é um município central da região do Seridó, no semiárido nordestino, que reúne 25 cidades dos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Com população de quase 70 mil habitantes, o município é referência em saúde para um amplo contingente populacional que ultrapassa suas fronteiras. Nos últimos dois anos, Caicó vem promovendo a reformulação da rede de saúde mental por meio da intensificação da política intersetorial. Um dos diferenciais do trabalho é o olhar sobre as populações marginalizadas, excluídas de direitos fundamentais, a exemplo dos egressos de internações psiquiátricas e a população carcerária.
Há alguns anos, como reflexo da luta antimanicomial, o hospital especializado em saúde mental da cidade foi interditado e os pacientes reinseridos no convívio familiar. No entanto, seis deles perderam completamente o vínculo com os parentes e alguns até o senso de identidade. A transferência para uma residência terapêutica foi o primeiro passo em direção ao retorno à vida em sociedade, mas ainda havia um longo caminho para efetivar a desinstitucionalização e garantir dignidade.
Eles reaprenderam a dormir em camas, porque se mantinham a maior parte do tempo no chão. Perderam o medo de se comunicar, porque estiveram muito tempo isolados. Passaram a comer alimentos produzidos na residência, antes distribuídos em marmitas. Com a ajuda do Ministério Público, a gestão está buscando resgatar informações sobre parentesco, registro civil e cidade de origem. “Estamos conseguindo ver a evolução. Por tudo que viveram, eles tinham medo, não conversavam, mas aos poucos estão indo ao supermercado, à igreja, à pista de caminhada, sempre acompanhados de um monitor. Estão desenvolvendo independência e autonomia”, relata Jardenia Azevedo da Silva Noronha, enfermeira e coordenadora técnica da Secretaria Municipal de Saúde de Caicó.
Uma importante mudança na rotina da residência terapêutica veio com a reformulação da equipe multiprofissional. “Fizemos a readequação da equipe através de um processo seletivo. Hoje temos cuidadores, enfermeiro, nutricionista, cozinheiro e integrantes da Residência Multiprofissional. Foi constituído um grupo de copa e cozinha para que os alimentos fossem produzidos no local e estamos tentando habilitar a residência terapêutica, mantida com recursos próprios, junto ao Ministério da Saúde. É um trabalho muito bonito”, comemora a secretária municipal de saúde, Evaneide da Silva Nóbrega.
A presença de uma educadora física vinculada ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) foi fundamental para manter o equilíbrio na residência terapêutica durante a pandemia. Três vezes por semana, os pacientes se dirigem à pista de caminhada, próxima à residência, para realizar atividades ao ar livre. As rotinas rigorosas que determinavam hora de acordar e dormir, herança da disciplina imposta no ambiente hospitalar, foi dando lugar a um ambiente com maior liberdade e acolhimento. “Queremos que eles se empoderem, sintam-se donos de si”, acrescenta Jardenia.
A mesma sensibilidade da gestão em relação aos pacientes egressos do hospital psiquiátrico foi percebida com a população carcerária. A Penitenciária Estadual do Seridó foi inaugurada em 1998, mas até 2021 não possuía equipe de saúde prisional habilitada para acompanhar a população adulta privada de liberdade, constituída atualmente por 575 pessoas. “Em Brasília, no ano passado, conseguimos o credenciamento da equipe e agora falta apenas receber o recurso da saúde prisional do Ministério. O gabinete odontológico, que estava sem funcionar há mais de dois anos, voltou à ativa com a equipe básica”, relata a secretária de saúde.
Além dos profissionais da Estratégia Saúde da Família, a população carcerária é também acompanhada por psiquiatra, psicólogo e assistente social no presídio. A mesma equipe de Atenção Básica também oferece assistência aos adolescentes privados de liberdade em outras duas instituições carcerárias. “Ainda não conseguimos mensurar o impacto da presença do psiquiatra no presídio, porque ele foi inserido na equipe multiprofissional este ano. Esperamos, no entanto, que a população privada de liberdade tenha maior apoio psicológico e seja possível reduzir a medicalização”, avalia Jardenia.
Relação ensino-serviço
Por ser um município sede e polo regional, Caicó concentra uma grande demanda de saúde mental advinda de vários municípios. “Na pandemia, percebemos o número crescente de procura por atendimento em psicologia e psiquiatria. Uma das peculiaridades do Seridó é o alto índice de depressão e suicídio, inclusive entre crianças”, atesta a secretária de saúde.
A rede de saúde mental do município é constituída por um Centro de Atenção Psicossocial 3 (CAPS 3), um CAPS Álcool e Drogas, um Centro Especializado em Reabilitação 3 (CER), um Centro Clínico e a Residência Terapêutica. Embora o CER seja um espaço de reabilitação em várias especialidades, lá está sendo estruturado o acompanhamento em psicologia e psiquiatria para adultos, como também para crianças e adolescentes até 15 anos.
Especializado em atendimento psicológico e psiquiátrico, o Centro Clínico possuía uma fila de espera que ultrapassava 1300 pessoas em 2021. De acordo com a coordenadora do serviço, a professora Dra. Dilma Felizardo, foi elaborada uma proposta de reorganização do serviço de psicologia, que dentre outras mudanças o qualificou como um campo de estágios, a partir de convênio celebrados com universidades, voltado a estudantes da graduação e da pós-graduação dos cursos de Psicologia e da Residência Multiprofissional.
“Esta estratégia, além de proporcionar aprendizagem, o desenvolvimento de competências e habilidades na área da Saúde Mental para os alunos e alunas, constitui-se importante oportunidade para o crescimento pessoal e acadêmico de estudantes e residentes, fortalecendo a compreensão da função social da academia, na emergência do cuidado em tempos de pandemia”, afirma a coordenadora. Dessa forma, a relação ensino-serviço no SUS vai se configurando como um espaço de construção de cidadania.