Boa Vista - RR
Cooperação Técnica permite acesso ampliado de mulheres ao Planejamento Reprodutivo na Atenção Primária em Boa Vista
03/04/2023 16h49
Todas as mulheres em idade fértil devem ter assegurado no Sistema Único de Saúde (SUS) o acesso a métodos contraceptivos variados, possibilitando a realização de um planejamento familiar seguro. Em Boa Vista, capital do Estado de Roraima, o público feminino conquistou o direito à ampliação dos métodos já disponíveis - pílula anticoncepcional e injetável e preservativo - com a inserção do Dispositivo Intrauterino (DIU) na Atenção Primária à Saúde (APS).
A conquista foi garantida por meio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Conselho Regional de Enfermagem (COREN), apoiado pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN). Os parceiros foram responsáveis pela qualificação dos profissionais que atuam no planejamento reprodutivo nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Antes da iniciativa, a inserção do DIU só estava disponível em uma unidade especializada da Secretaria Estadual de Saúde ou por meio da iniciativa privada.
O projeto foi iniciado em dezembro de 2020 com a aquisição de insumos pela Secretaria Municipal de Saúde e a primeira capacitação promovida pela UNFPA, que abrangeu 10 profissionais. No ano seguinte, outros dez profissionais foram formados com a intenção de se tornarem multiplicadores da experiência. “Das 34 Unidades Básicas de Saúde do município, há aplicação de DIU em 29 delas. Em dois anos, saímos de zero para mais de três mil inserções do DIU em mulheres do município”, comemora a enfermeira responsável pela Saúde da Mulher em Boa Vista, Gabrielle Almeida Rodrigues.
Na garantia do direito ao planejamento familiar, além de assegurar às mulheres a liberdade de escolha, evitando a gestação indesejada, o projeto busca incidir sobre indicadores que apontam para grupos mais vulneráveis, como adolescentes, cuja incidência de gravidez é elevada, e mulheres imigrantes, que chegam em alta concentração no Estado. De acordo com a coordenadora da Saúde da Mulher, todas as unidades estão preparadas para o atendimento das imigrantes, sobretudo as venezuelanas, que representam o maior contingente, e o trabalho da Secretaria tem se voltado à facilitar o acesso.
“Moramos em um estado de fronteira, onde reside a maioria da população indígena do Brasil. Atendemos na fronteira com a Venezuela e a Guiana e recebemos muitos migrantes do nordeste e do sul do país. O SUS é universal e por isso o cuidado é extensivo a todos, independente de serem brasileiros ou não”, diz a enfermeira da UBS Mecejana, Erika Madeleine Carvalho. Segundo ela, a chegada das venezuelanas se refletiu no aumento da natalidade e na presença de pessoas com baixa escolaridade no Estado, o que reforça a importância de incluí-las na política de planejamento familiar. Boa Vista possui oito abrigos que reúnem famílias venezuelanas.
A enfermeira Erika Madelaine foi uma das profissionais seleciondas para fazer a capacitação para a inserção do DIU, justamente no período da pandemia, em que a unidade de saúde onde atuava oferecia tratamento exclusivo para pacientes com Covid-19. A experiência de planejamento familiar abriu perpectivas e mudou seu lugar de atuação. “Foi muito importante para mim porque tirou meu foco da pandemia. Tenho 46 anos e muito tempo de profissão. Depois de atuar na gestão, voltei para a assistência há 4 anos e essa experiência abriu novos horizontes, sobretudo porque as mulheres estão carentes, precisando de cuidado”.
O aumento da oferta de DIU para adolescentes se deve à diminuição da idade sexual e reprodutiva em Boa Vista. Érika conta que atende muitas mães com suas filhas adolescentes e a procura tem se ampliado na medida em que a população no território tem acesso às informações e aos constraceptivos próximo de suas residências. A política preventiva de gestação de jovens se traduz em números, de acordo com a coordenadora da saúde da mulher. “Ao observar a série histórica, constatamos que desde 2017 o percentual de gravidez na adolescência vem diminuindo gradativamente. Em cinco anos, o quantitativo de jovens que engravidaram caiu de 22% para 16,6%”, relata Gabrielle.
Acesso ampliado
No primeiro ano em que o DIU - dispositivo considerado seguro e eficaz - foi disponibilizado para as mulheres na Atenção Primária, houve uma procura incessante em função da demanda reprimida. Em algumas unidades, havia fila de espera de 50 mulheres para utilizar o método. Com o aumento do número de médicos e enferemeiros capacidatados para inserir o DIU, não há mais usuárias aguardando o atendimento e a qualificação dos trabalhadores se mantém através da parceria com a UNFPA e o Conselho Regional de Enfermagem de Roraima.
A maioria das mulheres que aderiu ao contraceptivo em Boa Vista é jovem - tem entre 24 e 35 anos. Cada uma precisou passar por uma consulta de avaliação para verificar se estava apta a receber o dispositivo. Mulheres que apresentam anormalidades, como ciclo menstrual aumentado ou útero com deformidades, são encaminhadas para exame de ultrassom na rede de atenção à saúde do município. Quando na avaliação multiprofissional não há nada fora do padrão, o exame de imagem é desnecessário. Toda mulher precisa fazer a revisão do DIU anualmente.
Hélida Cristina Moraes Lima, estudante de Administração de 25 anos, parou de amamentar quando seu filho tinha 2 anos, período em que começou a tomar anticoncepcional. Como os efeitos do contraceptivo eram severos, ela resolveu aderir ao DIU quando viu a postagem de uma mulher nas redes sociais contando sua experiência. Até então, ela não sabia que o mesmo DIU de cobre, cuja durabilidade é de 10 anos e custa no mercado entre quinhentos e mil reais, era disponibilizado nas Unidades Básicas de Saúde. “Eu me senti muito acolhida na UBS Mecejana. Tudo depende da forma como você é tratada. A enfermeira Erika é um amor até hoje, uma excelente profissional”, elogia.
A família de Hélida é constituída por quatro mulheres - ela, duas irmãs e a mãe. Com exceção da mãe, todas inseriram o DIU pelo SUS. Ela conta que na UBS Mecejana recebeu todas as informações quanto ao período de revisão, à necessidade de relatar a existência de qualquer desconforto, à eficácia do método, que é de 99%, etc. “Já estou há dois anos com o DIU e não tive nenhum incidente, só senti benefícios porque deu a oportunidade para nós, mulheres, podermos escolher ou não se queremos mais filhos. E se eu quiser tirar o DIU amanhã, eu tiro, porque não é uma coisa definitiva”, atesta.
O desenho da política de saúde da mulher em Boa Vista é pautado pelo cuidado em uma perspectiva integral, que ultrapassa a saúde reprodutiva e garante à mulher o direito de decidir sobre seu próprio corpo.