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19/07/2023

Seminários discutem soluções para avanço da integralidade do SUS

19/07/2023 12h03

A busca pela integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS) foi tema central de diferentes seminários organizados nessa terça-feira (18), no XXXVII Congresso Conasems. Discussões organizadas nas salas Mundo Econômico e Mundo Complexo Industrial debateram a questão sob diferente ópticas, a fim de oferecer um olhar mais completo para garantir a execução do princípio de assistência do serviço público de saúde.

Incorporada como princípio no SUS, a noção de integralidade está presente em vários níveis de discussão e prática em saúde. Isso se deu com a reestruturação dos serviços de saúde, por meio do conhecimento e ações de especialistas, individualmente e em equipe, assim como do relacionamento dessas equipes com toda a rede de atendimento.

Todavia, adversidades como o subfinanciamento, a precarização da gestão de recursos humanos, as políticas fiscais e econômicas praticadas desde a institucionalização do SUS trouxeram contradições e desafios para atender ao princípio da integralidade.

Integrante da mesa Integralidade das ações e o financiamento nas regiões de saúde, o secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Helvécio Magalhães Júnior, defende que não precisamos “inventar moda” para resolver o problema, pois já há caminhos conhecidos no país, inclusive em Goiânia, sede do Congresso. “Aqui, por exemplo, tem o Centro de Oftalmologia da UFG, com serviços semelhantes no Brasil que adotam esse cuidado integral. Então pelos exemplos que tempos, já há experiência reconhecida, inclusive internacionalmente”, pontua, com destaque para a oferta da integralidade no programa de combate e prevenção à AIDS no país. “Nunca falamos só em prevenir, mas também de fazer diagnóstico, quebrar patentes e oferecer medicamentos. É o cuidado integral mais genuíno que podemos oferecer”.

Para isso, a presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Luciana Mendes Santos Servo, que compôs a mesa O financiamento dos sistemas de saúde, destaca a importância do trabalho conjunto entre diferentes personagens que integram a linha de trabalho do SUS, exaltando o espaço de debates e reflexões proporcionados pelo XXXVII Congresso Conasems. “Para o Ipea é central que a gente faça isso e tenha um diálogo cotidiano. É partir desse diálogo com o Conasems que vamos entender as secretarias municipais para qualificação dos nossos estudos. Olhando só para dados, não temos o mesmo olhar que o Conasems tem de fazer isso com a realidade de cada município, então a parceria é central”, aponta.

Nesse sentido, o painel O financiamento e os órgãos de controle ampliou a discussão para um lado essencial no complemento ao trabalho dos trabalhadores da saúde: a gestão do serviço. Segundo o secretário de Controle Externo Saúde do Tribunal de Contas da União (TCU). Marcelo Aragão, a participação de economistas e administradores no processo de auditoria das ações do SUS chega até mesmo a surpreender alguns médicos que debatem soluções com o grupo. “Às vezes o gestor hospitalar fica impressionado que não tem médicos na equipe. Digo que não somos, mas somos especialistas em gestão e governança, então sabemos como otimizar gestão de um leito, de um centro cirúrgico, tempo de permanência de pacientes no hospital. Nosso papel é de jogar luz para que o gestor entenda as principais causas de um mau desempenho da unidade”, explica.

Aragão lembra de recente autuação de auditoria referente ao atendimento de saúde a povos Yanomami, em Roraima. Ele relata que os processos de auditoria na região está chegando ao fim e já aponta uma série de problemas diferentes que explicam a baixa qualidade dos serviços de saúde – e da própria saúde dos pacientes – nas terras indígenas. “A demanda surgiu após apontarem que o problema era o garimpo. Agora os garimpeiros foram expulsos pelo Ministério da Defesa, mas isso melhora a saúde dos yanomami? Não, porque tem muitos problemas de gestão que culminam em pontos críticos, como a falta de medicamentos”, aponta. “A saúde indígena é um grande caso de saúde pública que mostra como a auditoria pode melhorar a qualidade dos serviços ofertados”.

Complexo Industrial

No seminário Mundo Complexo Industrial, a discussão levantou outros temas de fundamental importância para permitir a integralidade do SUS. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ipea, Fabíola Sulpino chamou atenção para o alto custo que os medicamentos ainda representam nos tratamentos dos pacientes, especialmente mais pobres. “Quando olhamos para os números de pacientes que tiveram acesso completo a medicamentos em 2019, somente 20% obteve o acesso por meio do SUS, não incluindo Farmácia Popular. Isso mostra como essa disponibilidade é essencial”, defende.

Ela explica que grande parte do custeio de medicamentos ainda é feito pelos pacientes, e não pelos serviços, o que afeta famílias de menor renda com mais intensidade. Durante a mesa Integralidade do SUS e a assistência terapêutica integral, ela chamou atenção para o fato que em famílias com renda de até dois salários-mínimos, há tratamentos que ainda dependem de 100% da oferta do sistema pública de saúde. “É o caso da imunização por vacinas, por exemplo. Entre os mais pobres, 100% conseguiram acesso aos imunizantes pelo SUS.”

O Diretor da Terceira Diretoria da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Alex Machado, também chamou atenção para a oferta de medicamentos durante a mesa Aspectos regulatórios, sanitários e econômicos e os impactos no alcance da assistência terapêutica geral. Para ele é fundamental ter atenção para a logística de abastecimento, a fim de evitar períodos de falta nos estoques nas unidades de saúde. Especialmente em momentos de crise, ele pontua que a situação se torna crítica para a Anvisa, por conta da pressão de órgãos, autoridades, trabalhadores de saúde ou pacientes. “É quando se pede muita flexibilização de recursos técnicos e sanitários, o que coloca o ministério num lugar difícil, mas temos investido energia para chegar numa ferramenta mais objetiva que mostre que somos capazes de antecipar o movimento de falta nos hospitais”, declarou.

Soma-se a isso, os desafios de implementação de tecnologias para tratamentos e processos ofertados pelo SUS, conforme destaca o professor e Diretor-Consultor da Pharmalex Espanha, Jose Luís Segu, que compôs a mesa Desafios da garantia da integralidade na incorporação de tecnologias no SUS. Para Segu, é fundamental ver como a avaliação das tecnologias dá suporte à integralidade, atrelado a visão de cada município. Ele acredita que hoje, estamos num momento de mais desafios do que respostas. “É uma época de muita inovação tecnológica, o que gera muitas mudanças no âmbito de saúde. Mas o cenário não é exclusivo do Brasil, é uma questão internacional. Nunca tivemos tanta inovação com tão pouco dinheiro para pagar por elas”, aponta.

Nesta quarta-feira (19), das 9h às 12h, a quarta mesa do seminário irá discutir a Execução de recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Participarão Antônio Carlos Júnior, assessor técnico do Conass, Dárcio Guedes Júnior, diretor executivo do Fundo Nacional de Saúde do MS, com coordenação de Rodrigo Buarque Ferreira de Lima, 1º vice-presidente região da Região Nordeste do Conasems.

Especialistas refletem sobre caminhos e impactos da judicialização nos tratamentos do SUS

Nessa terça-feira (18), o XXXVII Congresso Conasems abriu atividades de discussão com objetivo de aprofundar a interface entre o Mundo Jurídico e as possibilidades e estratégias para fortalecimento da contínua e permanente agenda de consolidação do SUS. Foram realizadas duas mesas com o tema O SUS que falta, o direito e o sistema de Justiça, que continua na manhã desta quarta (19).

A primeira mesa do seminário refletiu sobre a necessidade de mudanças no arcabouço jurídico institucional da Administração Pública Brasileira visando superar entraves à efetivação das políticas públicas de saúde. Para Fernando Aith, professor titular do departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP e Diretor Geral do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP (Cepedisa), é prioridade pensar no trabalho de forma mais institucionalizada.

“Precisamos de mais arranjos institucionais entre municípios, estados e União que não estejam reféns da intempérie de relações políticas”, sugere. Com o objetivo em mente, ele aposta numa solução com trabalho a ser feito a partir da visão das próprias equipes que atuam no SUS e tem clareza do funcionamento do trabalho como política de estado. “É preciso pressionar os governantes para que entendam que a regionalização dos serviços não deve ser política de apenas um governo, mas sim para o Estado”.

Aith reconhece que a evolução da transformação “ainda é um longo caminho”, mas destaca a importância da presença de gestores, servidores e agentes de saúde nos debates do XXXVII Congresso Conasems como ferramenta de melhoria dos trabalhos. “Cada um dos que está presente aqui é parte fundamental desse processo".

Durante a tarde, o debate englobou questões em torno do Sistema de Justiça e como este tem sido espaço de discussão sobre o direito à saúde há cerca de 25 anos, com características diferentes ao longo desse período. Durante a mesa, destacou se especialmente como partilhas e reflexões sobre a judicialização devem incluir o diálogo com o usuário. Thais Jeronimo Vidal, doutora em saúde coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Uerj (2021), apresentou resultados de pesquisa feita com usuários e pacientes acerca do fenômeno da judicialização da saúde.

“Quando falamos do papel do cidadão, há um desafio em trazê-lo para o diálogo. Mesmo quando se discute com o usuário, a tendência é fazer ações de satisfação, mas é muito difícil trazê-lo para discussão e reconhecer que o conhecimento dele é tão importante quanto o nosso, ou talvez até mais. É ele que tem noção de como vive e do que sente sobre o quadro de saúde”, reflete.

A partir desse olhar, então, ela enumera diferentes formas de compreensão da Judicialização sob a óptica do usuário: como possibilidade de acesso a tratamentos, como via alternativa e legítima de reivindicação d direitos, como consequência de falhas no sistema e até mesmo como afronta ao princípio da dignidade no serviço público de saúde.

“Além disso, a busca pela via judicial levanta várias questões, como a de demandas fraudulentas, por um lado. Mas para lidar com isso, precisamos considerar que, por outro, temos o usuário que quer viver e nós queremos atender”, pontua. Por conta disso, Vidal acredita que o Sistema de Justiça tem um potencial significativo de ser liado do SUS, “mas ainda prevalecem muitos desafios”.

Entre esses desafios, por exemplo, estão pontos levantados na mesma mesa por Lenir Santos, Doutora em Saúde Coletiva pela Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa). Na análise da especialista, ainda há pouco conhecimento difundido sobre o direito sanitário e muitas decisões favoráveis sem maiores considerações e definições, o que precisa ser mais bem trabalhado. “A micro justiça afeta o direito à igualdade de atendimento e desequilibra alocações orçamentárias sanitárias”, declara.