Logo do ConasemsLogo do SUS

15/02/2023

Reportagem "Brasil, aqui tem SUS": Projeto fisioterapêutico reduz dores crônicas na coluna com baixa tecnologia em UBS do Distrito Federal

15/02/2023 15h28

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% da população mundial deve sentir dores na coluna em algum momento da vida, o que leva a uma procura excessiva por cuidados nos serviços de saúde. No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca (IBGE), a dor crônica na coluna, que perdura por mais tempo, atinge um em cada cinco adultos. Os indicadores externos se refletem em âmbito territorial, a exemplo da experiência vivenciada na Unidade Básica de Saúde 5 de Arapoanga, uma Região Administrativa do Distrito Federal.

Durante o período mais crítico da pandemia - quando o trabalho desenvolvido com grupos de pacientes crônicos teve que ser suspenso para evitar maior contaminação pelo coronavírus -, o fisioterapeuta da UBS 5, Pedro Henrique Gonçalves, aproveitou para se debruçar sobre os prontuários dos usuários e identificar as principais queixas que os conduziam ao serviço de saúde. O resultado da pesquisa levou à constatação de que as maiores reclamações surgiam em decorrência de dores na coluna, sobretudo lombar. O passo seguinte, segundo o profissional, foi mergulhar sobre a literatura científica com a seguinte indagação: o que pode ser feito para tratar e reduzir as dores crônicas na coluna?

“Fui ver em artigos com abordagens nessa área o que tinha de maior evidência de tratamento. A literatura científica mostrou que os exercícios físicos são os principais mecanismos de redução das dores para casos não cirúrgicos”, relata o fisioterapeuta. Dentre os exercícios, restava identificar aqueles capazes de dar uma resposta mais efetiva ao problema. Pedro constatou que os alongamentos e fortalecimentos dos músculos abdominais que estabilizam o tronco são os mais eficazes na redução do quadro crônico.

Em 2021, com as atividades presenciais retomadas, o projeto se iniciou através da seleção de 76 pacientes que apresentavam queixas há mais de três meses, o que caracteriza a dor crônica. Eles passaram a receber um tratamento direcionado em grupo, a partir dos exercícios específicos. Nos encontros, realizados uma vez por semana, cada usuário passa por duas avaliações - uma no início e outra após um mês de atividade. A execução dos movimentos não deve se limitar às atividades em grupo e por isso os pacientes são estimulados a manter a rotina de exercícios em casa regularmente, a partir das orientações dadas pelo fisioterapeuta.  

Através do whatsapp, os participantes se mantêm integrados e informados sobre as atividades. A manutenção do grupo virtual funciona também como um canal de educação em saúde: se há queixas sobre dores nas costas em atividades como varrer a casa, logo chegam orientações a respeito do modo de assumir uma postura correta nas atividades domésticas.

A existência do grupo remonta a 2018, quando Pedro Gonçalves ingressou na unidade trazendo a experiência acumulada em Sobradinho, outra Região Administrativa do DF. O diferencial dos encontros pós período agudo da pandemia é o direcionamento do trabalho aos problemas na coluna. “Em Sobradinho, fazíamos exercícios mais gerais com pacientes que apresentavam problemas distindos. Como a equipe de profissionais de Arapoanga é menor, eu foquei no trabalho em grupo dos pacientes com dores crônicas na coluna, que representam a maioria”, relata.

A população estimada de Arapoanga gira em torno de 50 mil habitantes, que recebem atendimento em duas UBS instaladas na região. Para garantir uma estrutura mais adequada ao projeto, a UBS 5 realizou uma parceria com o Lar Fabiano de Cristo, uma ONG que disponibiliza um mini auditório com espelho e tapete de EVA para o atendimento. “A gente sempre busca cuidar dos pacientes de maneira integral na Unidade. Como não temos muitos recursos, espaços disponíveis e equipamentos, tentamos desenvolver parcerias”, conta a farmacêutica que compõe a equipe multiprofissional, Rayane Esteita Bastos Ribeiro.

Os indicadores apontam para uma melhora significativa nas queixas de dores por parte dos 24 pacientes que passaram pela segunda avaliação. O desafio é reduzir a evasão, que pode estar relacionada a fatores positivos, como alívio da dor e autonomia daqueles que aprenderam a lidar com suas debilidades, como também negativos, tais quais a falta de disciplina e o uso indiscriminado de medicamentos.

 

Ação multiprofissional

O trabalho na Atenção Básica é eminentemente coletivo. As experiências multiprofissionais mostram que mesmo diante de dificuldades, como o número de equipes reduzidas, há o esforço de cada um para contribuir de acordo com suas capacidades. A farmacêutica Rayane Estelita vê o trabalho de educação permanente como um importante aporte ao projeto. “Em encontros do grupo, eu abordo questões sobre o uso racional de medicamentos e os perigos da automedicação, enquanto a nutricionaista esclarece os usuários sobre a importância da alimentação saudável e sua enorme ação antiinflamatória no corpo”, conta.

A redução do uso de medicamentos foi significativa após o início do projeto. De acordo com Pedro, dos que iniciaram o grupo, 42,1% faziam uso contínuo de remédios para dor. Dos que concluíram o acompanhamento, apenas 20,8% mantiveram o uso de medicamentos continuamente. A fitoterapia também tem sido utilizada como recurso suplementar na redução das dores. A “erva baleeira”, fitoterápico adotado como antiinflamatório de uso tópico, tem sua prescrição direcionada aos pacientes em atendimento com o fisioterapeuta. Rayane e outros dois profissionais da unidade também utilizam a auriculoterapia na redução da dor crônica.

Outra iniciativa multiprofissional está em curso para aumentar a qualidade de vida dos usuários da UBS 5. Um projeto do fisioterapeuta Pedro, com a participação das profissionais de farmácia e nutrição, pretende promover, duas vezes por semana, caminhadas para aproximar e cuidar de forma mais efetiva de pacientes com doenças como hipertensão e diabetes. “As atividades coletivas promovem o vículo entre a comunidade e esse cuidado se estende à população idosa, muitas vezes mais vulnerável e adoecida por permanecer sozinha. Melhorar a socialização é investir na qualidade de vida”, conclui Rayane Bastos.