Logo do ConasemsLogo do SUS
Portal Educacional

19/05/2023

Aplicativo do Conasems “Monitora AF” comprova a gravidade e indica caminhos para superar a falta de medicamentos no SUS

19/05/2023 13h45

Envolta em uma cena há muito reconhecida pelos usuários que procuram as farmácias do SUS, a frase "no momento, estamos em falta” é emblemática de um problema recorrente no Sistema Único de Saúde: a falta de medicamentos nas unidades de saúde.

Muitas vezes invisibilizada e silenciada, a escassez de fármacos e insumos agora passou a ser monitorada continuamente por meio de dados coletados pelo Monitora AF, um aplicativo desenvolvido pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems e disponibilizado aos mais de cinco mil municípios brasileiros.

O presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil – ALFOB, Artur Couto, comenta que a Associação participou desde o início das discussões e apoia integralmente a iniciativa porque ela oferece pela primeira vez dados primários decisivos para o planejamento das políticas públicas que sustentam o Complexo da Saúde e são fornecidos pelos seus maiores interessados: os usuários do SUS.

Os primeiros resultados, fornecidos por 410 municípios no final de 2022, indicam que o desabastecimento da assistência farmacêutica atinge principalmente a atenção primária, mas afeta também os hospitais e unidades de urgência.

As principais causas relacionadas são a excessiva dependência do sistema de saúde brasileiro aos produtos importados e a insuficiente oferta de produtos para atender à demanda gerada nas unidades de saúde pelo Brasil afora.

Identificada já há vários anos, a dependência da saúde brasileira aos importados emergiu de forma dramática durante a pandemia de Covid-19, principalmente em 2020 e 2021, quando faltaram de respiradores a antibióticos, máscaras e vacinas.

No caso dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), matéria-prima fundamental para os medicamentos, de cada 10 consumidos no País, pelo menos nove precisam ser trazidos de fora, principalmente dos países asiáticos, europeus e dos Estados Unidos.

Essa dependência aos importados acarreta um déficit anual estimado em US$ 20 bi por ano na balança comercial do setor saúde, 75% dele gerado pela compra de medicamentos e insumos farmacêuticos.

O que mais falta

Nos municípios, o reflexo dessa vulnerabilidade da saúde nacional promove um outro problema: a alta de preços, que muitas vezes supera os valores de referência da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – Tabela CMED, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tornando inviáveis as aquisições pelas secretarias de saúde por meio das licitações e gerando mais desabastecimento.

De acordo com o Monitora AF, os analgésicos, antibióticos e corticoides são as classes terapêuticas que participam com o maior número de registros de desabastecimento pelos municípios brasileiros, demonstrando forte impacto sobre a atenção primária à saúde dos brasileiros.

Mas a interrupção no fornecimento também atinge outros itens que não constam da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename e estão no âmbito da atenção hospitalar, como injetáveis e contrastes utilizados para diagnósticos radiológicos.

As informações já processadas pelo aplicativo levam a concluir que existe um verdadeiro divórcio entre as necessidades assistenciais e o parque produtivo e tecnológico do Complexo da Saúde.

Para o assessor técnico do Conasems e coordenador do Monitora AF, farmacêutico Elton da Silva Chaves, o enfrentamento do problema demanda ações intersetoriais que necessitam ser respaldadas pela pactuação entre os três entes da federação: Municípios, Estados e União.

Ele defende que o SUS precisa deixar de ser mero comprador para assumir o papel de “direcionador, organizador e norteador” da oferta de medicamentos, vacinas, insumos e outros produtos para a saúde.

Segundo Chaves, as informações do Monitora AF e de outras bases de dados como os relatórios de vendas de medicamentos da CMED/Anvisa permitem direcionar o poder de compra estatal para que a indústria esteja voltada para suprir os gargalos que dificultam o acesso à assistência farmacêutica integral, um direito constitucional do cidadão brasileiro.

“Não dá [para a indústria farmacêutica] somente comer o filé, querer somente as terapias inovadoras, é preciso o feijão com o arroz”, afirma.  De acordo com o mestre em Ciências Farmacêuticas, a avaliação do Conasems é que o parque fabril brasileiro está subutilizado e, por meio de investimentos e uma agenda jurídico-legal, ele pode contribuir para equalizar a relação entre a oferta terapêutica e a demanda assistencial gerada pelo SUS.

Pode quem paga mais

Diante desse desafio, o coordenador do Monitora AF entende que é necessário “sustentar a oferta”. Ele esclarece que a pandemia escancarou a vulnerabilidade às crises. “Vale o ‘eu’ primeiro e quem pode pagar mais vem em primeiro lugar. Isso justifica ter política pública para resolver essa situação”, avalia.

Cita como exemplo a escassez de antibióticos. “Hoje, estão faltando associações de antibióticos, inclusive no [segmento] privado. Para quem haverá preferência de venda? Para quem pagar mais.”

Por essa lógica, ressalta, o setor público sempre será desfavorecido porque é obrigado a comprar pelos menores preço, por força da legislação. “Com isso, os objetivos sanitários [de atender à população pelo SUS] serão sempre impactados.

Outro ponto crucial que destaca é a questão regulatória. “Falta conexão entre a assistência e a regulação, que está na mão do governo federal.” Novamente, Elton Chaves cita o exemplo da falta das associações de antibióticos. A Rename muitas vezes não prevê essas indicações, ou seja, em outras palavras, a pactuação e a regulação não acompanham a realidade da clínica.

Para fortalecer a estrutura produtiva, o representante do Conasems entende que será preciso conjugar os investimentos com o reforço dos talentos profissionais. E isso só irá ocorrer, no seu entendimento, com uma forte atuação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais.

— Os Oficiais, independente do seu vínculo, precisam ter uma condução pautada pelos objetivos sanitários estratégicos do País. Se posso prever demanda de injetáveis para a necessidade de saúde da população, não posso deixar isso na mão do mercado, pois um único laboratório privado, que detém 50% dessa produção, paralisa o sistema de saúde, inclusive privado, porque ele vai fornecer para quem pagar mais.

Negligenciadas e fitoterápicas – Ele defende que uma parcela da produção dos Oficiais seja direcionada exclusivamente para assegurar as necessidades assistenciais e de suporte à vida prestada pelo SUS, tanto medicamentos essenciais quanto os estratégicos e os de alto valor tecnológico agregado.

Atuando a partir dessa perspectiva, segundo ele, os Oficiais irão maximizar outra função pública fundamental, que é sua atuação como reguladores de preço no mercado como um todo.

“Tornou-se muito barato importar, mas não podemos mais deixar como está hoje, pois nos tornamos totalmente dependentes dos interesses da ‘bigfarma’ [a grande indústria farmacêutica]. Então, o sistema público precisa ser voltar para essa finalidade.”

Os oficiais, na visão de Chaves, também devem ser as grandes referências produtivas e tecnológicas para as doenças negligenciadas e as drogas órfãs. “Temos uma carga de doenças especifica que o mercado não vai atender. Muitas vezes, a demanda é menor, é difícil direcionar o esforço de produção. Então, é preciso uma estratégia específica.

— Por tudo isso, é preciso revisitar a missão dos Oficiais e a nossa estrutura produtiva e tecnológica. Eles precisam assegurar as intervenções farmacológicas mais demandadas. Produzir a primeira linha de antibióticos, analgésicos, corticoides. Fornecer o que ninguém tem interesse em fazer, para reduzir nossa dependência, elevar a qualidade da assistência e assegurar mais segurança para a população brasileira.

Para finalizar, o assessor do Conasems destaca o potencial da política de plantas medicinais e fitoterápicos. “São medicamentos de primeira linha, temos uma biodiversidade enorme, capacidade instalada e universidades que precisam de investimentos. O que precisamos para desenvolver esse setor é impulsionar uma sinergia entre a pesquisa e desenvolvimento com a cadeia produtiva”, conclui.

Com informações da Alfob Notícias.