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07/06/2023

Reportagem especial: Tefé-AM amplia cuidado neonatal para reverter baixos indicadores de acompanhamento acumulados na pandemia

07/06/2023 14h36

Toda criança, ao nascer, deve ser acompanhada no seu desenvolvimento, o que irá garantir um crescimento saudável e seguro. Existe um conjunto de ações preventivas, denominada de Triagem Neonatal (TR), responsável por identificar precocemente doenças que, quando tratadas em tempo oportuno, podem evitar sequelas e mortes. Em Tefé, pequeno município do Amazonas, observou-se uma diminuição significativa das coletas para a realização do “teste do pezinho”, importante procedimento preventivo, em função do cenário da pandemia de Covid-19.

As famílias, com medo da contaminação, passaram a evitar o deslocamento para as unidades de saúde, impossibilitando o acompanhamento. No entanto, uma iniciativa da equipe da Unidade Básica de Saúde Dr. José Lins mudou essa realidade. O projeto foi impulsionado a partir da necessidade de recuperar o contato com as mães, que eram acompanhadas pelos profissionais durante todo pré-natal, mas, após o nascimento do bebê, perdiam o vínculo com a equipe, o que levava a uma descontinuidade do cuidado, sobretudo no que se refere aos recém nascidos.

A equipe resolveu então criar mecanismos de busca ativa da população de sua área de abrangência e descentralizar a atenção neonatal, com a realização do teste do pezinho em domicílio. “No antigo município onde eu trabalhava, já fazíamos o teste do pezinho em casa, durante a consulta puerperal. Tínhamos um cuidado especial no pós-parto. Mas como em Tefé era mais complexo adentrar na área, não se trabalhava tanto as ações dentro da comunidade”, conta o então enfermeiro da UBS, Cleveland Gomes Sampaio Júnior.

A experiência da atenção em domicílio foi o ponto de partida do trabalho, que contou com a atuação dos agentes comunitários de saúde e de parcerias para identificar as famílias. “Sou um enfermeiro curioso, gosto de analisar dados e percebi que no primeiro ano da pandemia a cobertura puerperal diminuiu muito. O nosso medo era pararmos por conta da Covid e lá na frente as crianças sofrerem as consequências da diminuição da cobertura vacinal e do acompanhamento”, acrescenta Cleveland.

Foi assim que os profissionais passaram a solicitar o relatório de nascidos vivos no hospital da cidade, identificando quais pertenciam à área de abrangência da UBS Dr. José Lins. O hospital era referência para todos os partos, inclusive os realizados em domicílio. Com os dados em mãos, iniciava-se o acompanhamento dos bebês em domicílio, um trabalho que exigia muita dedicação, considerando que o teste do pezinho só pode ser feito entre o terceiro e o quinto dia do nascimento da criança. A partir do sangue coletado do calcanhar do bebê, é possível identificar doenças graves, que se não tratadas prematuramente podem causar danos à saúde, comprometendo, por exemplo, o desenvolvimento mental.

“A equipe sempre abraçou a causa. Quando necessário, a gente trabalhava no sábado, no domingo, em dia de sol ou de chuva. Sem reclamar. A nossa área de abrangência é bem complexa, porque a população é carente. Tivemos o caso de uma gestante que foi acompanhada em todas as consultas de pré-natal, mas como ela morava do outro lado do rio, não fazia parte da nossa área de abrangência. Para não perder o acompanhamento do bêbe, pegamos um barquinho e atravessamos o rio. Em períodos de cheia, andamos em palafitas para realizar as visitas domiciliares”, descreve o técnico de enfermagem, Danielison Rodrigues Sena.

A presença das equipes nas residências contribuiu também para atualizar o calendário vacinal das gestantes, promover a imunização das crianças em tempo oportuno, identificar e agendar as próximas consultas e orientar no cuidado da mãe com o bebê. “Eu, o técnico de enfermagem e o ACS conseguimos acompanhar toda a família, ver a participação do pai no primeiro banho, orientar sobre os produtos a serem usados, o cuidado com o ouvido, e contribuir com o aleitamento materno”, detalha o enfermeiro.

Quando a filha de Valdeane Gomes Ferreira nasceu, ela recebeu a visita da equipe em casa para a realização do teste do pezinho. “ Fiz 17 consultas de pré-natal e fui acompanhada por eles durante toda a minha gestação. Uma equipe maravilhosa, muito responsável e atenciosa. Toda semana eles iam à minha residência acompanhar o meu pós-parto. Não tenho do que reclamar”. Hoje, sua filha, Heloísa Cecília, está com 1 ano e 3 meses e muito saudável.

Expansão do cuidado

O município amazonense de Tefé está localizado a 570 km da capital, Manaus, em linha reta e o acesso só é possível por meio fluvial e aéreo. Do total de 59 mil habitantes, apenas 20% residem na área rural, mas algumas regiões mais distantes do centro urbano só podem ser alcançadas de lancha, em viagens que chegam a durar mais de um dia. A UBS Dr José Lins está localizada no bairro São Francisco e conta com duas equipes, 20 agentes comunitários de saúde, uma gerente, dois enfermeiros e dois técnicos de enfermagem.

O projeto, antes restrito à unidade Dr José Lins, se expandiu em um contexto de bons resultados e parcerias. Os relatórios do hospital sobre os nascimentos ganharam mais abrangência e passaram a ser compartilhados entre o grupo de whatsapp dos 26 enfermeiros da cidade, e, em seguida, entre as 24 equipes de saúde da família local. Em pouco tempo, o projeto passou a ser adotado em todas as unidades básicas de saúde de Tefé e serviu de inspiração para municípios do entorno.

A partir do novo protocolo, que ganhou abrangência municipal, cada criança que nasce é inserida imediatamente no sistema de prontuário eletrônico; as informações contidas no prontuário da mãe são atualizadas; o pré-natal é concluído e os indicadores atualizados. De abril a dezembro de 2021, o projeto alcançou uma cobertura de 98% das crianças nascidas no município, um resultado expressivo em relação ao ano anterior, que teve cobertura de apenas 40% da coleta.

“Sou enfermeiro e amo atuar em áreas como educação e prevenção. A nossa maior ferramenta de trabalho continua sendo a voz. Se trabalhar mais a prevenção, conseguimos reduzir muito os agravos de saúde. Eu fico sem acreditar nas conquistas desse projeto, porque ele não foi programado. Foi sendo desenvolvido no próprio processo de trabalho, através de um fluxo entre a Vigilância Epidemiológica e a maternidade, que trouxe ótimos resultados”, comemora Cleveland.