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27/10/2010

Pontos de análise de conjuntura da saúde no Brasil: setembro 2010 – Por Gilson Carvalho

27/10/2010 01h25 - Atualizada em 27/10/2010 01h25

Por bravvo

Depois de completar 20 anos de Constituição em 2008, neste ano, em dezembro, se completam 20 anos da lei orgânica da saúde como marca símbolo da decisão constitucional de garantir o direito à saúde, como dever do estado brasileiro. O SUS vem sendo gestado e executado aos pouquinhos desde muitos anos e costumo colocar como marco a IIIª Conferência Nacional de Saúde de dezembro de 1963 na antevéspera do golpe militar. O golpe interrompeu a discussão da criação de um sistema público universal como direito de todos e, de base municipalista, para ter mais eficiência administrativa. Mais tarde se retomou a discussão e prática da proposta com novo impulso do movimento municipalista de saúde na década de 70, seguido na de 80 pelas Ações Integradas de Saúde – AIS e Sistemas Integrados e Unificados de Saúde – SUDS.

A saúde consagrada como direito na CF de 1988, só teve aplicação prática depois da Lei Orgânica de Saúde no final de 90 ou seja, nos anos seguintes a ele. Uma construção demorada. Nada diferente do que aconteceu com a implantação de sistemas de saúde universais em vários países do mundo. A implantação do SUS será demorada pois é uma política contra-hegemônica. Ela traz uma proposta e ação totalmente progressista e socialista. Revoluciona a prática estabelecida de que, quem mais leva é quem mais tem. Oficialmente adota o princípio da equidade “de cada um conforme sua disponibilidade e a cada um segundo sua necessidade”, num mundo e país essencialmente capitalista, fundado na economia de mercado. Parece chavão, mas não é. Vejamos: a participação das pessoas na saúde é segundo a renda e consumo (contribui mais quem mais tem); o uso é conforme a necessidade de saúde, independente de quanto contribuiu e sem nenhuma precedência de quem contribuiu mais; a oferta de serviços tem que responder a necessidades e não a oferta-demanda induzida pelo complexo comercial e industrial pronto para oferecer mais serviços que dão mais lucro (alto custo-complexidade); a remuneração deveria ser por atos e providências que evitassem as doenças e acaba sendo mais e melhor remunerado por doenças e procedimentos; a proposta é ter que internar o menos possível e o equilíbrio econômico-financeiro de hospitais e serviços de saúde é baseado no quanto mais se interna e produz serviços. O SUS é a contradição completa.

Na CF fala-se em igualdade de direito. É um pressuposto ainda longe da prática. A região sudeste-sul e com destaque São Paulo, estão acima da média Brasil na oferta da quantidade e qualidade das ações e serviços de saúde. Inúmeros municípios brasileiros não dispõem das facilidades que o SUS oferece nestas regiões. Isto é fortaleza e fraqueza. Fortaleza enquanto se ofereçam mais e melhores serviços à população. Fraqueza enquanto ter mais e melhores serviços, de maior complexidade, faz com que as pessoas busquem mais e não consigam o atendimento que gostariam, o que as leva à frustração. Nas regiões mais desenvolvidas se disputam consultas com especialistas, exames de terceira geração etc. Nas menos desenvolvidas, a disputa ainda é por consultas gerais e exames mais simples. O que pode ser ruim e também bom.

As dificuldades em saúde no Brasil estão ligadas à insuficiência e à ineficiência. Caiu num círculo vicioso perverso. Não temos primeiros cuidados de saúde (preventivos e de primeira recuperação) em quantidade e qualidade suficientes. Ou a inexistência e ou não oferta dos serviços básicos nos horários em que as pessoas possam freqüentá-los. Por não tê-los, as pessoas acabam empurradas para a média e alta complexidade pelo agravamento de seus problemas ou facilidades da maior oferta. É uma contradição.

As dificuldades do sistema de saúde não ficam apenas na ineficiência e insuficiência. Temos algumas questões anteriores ou concomitantes a estas que representam o antes do adoecer. Em primeiro lugar se adoece do social pelas condições de vida dos brasileiros, predisponentes aos agravos à saúde. A situação econômica e social é determinante da qualidade de vida e saúde das pessoas. Em segundo lugar temos que analisar a questão da tendência à desresponsabilização das pessoas com sua saúde. Muito pouco pode ser feito pela saúde das pessoas sem o envolvimento de cada um de nós. As pessoas agora ousaram terceirizar sua saúde: a responsabilidade e culpa é sempre dos outros. Além do envolvimento e responsabilidade pessoal temos uma luta coletiva para mais e melhores serviços e pela qualidade da atenção: tempo para exame físico e conversa com as pessoas.

Outro gargalo é a questão da compra de serviços no privado e a transferência de recursos federais a estados e municípios. Os valores de remuneração dos serviços prestados pelos parceiros privados e pagos por produção, na maioria das vezes está defasado. Menos é claro os de melhor remuneração como os de alta complexidade e os prestados por Organizações Sociais, OSCIPS e algumas associações. Para os serviços públicos as transferências federais e principalmente as estaduais estão defasadas. Na área publica os municípios, têm investido em saúde 30% a mais que os limites mínimos impostos pela CF (15%). Os Estados, inclusive São Paulo, devem o cumprimento dos mínimos constitucionais (12%) o mesmo ocorrendo com o Ministério da Saúde.

Existe perda de recursos por vários ralos e um deles são os programas mal implantados ou casuísticos e que consomem recursos e não se sustentam por falta de necessidade ou de planejamento. Muitos projetos foram deixados de lado, como o do Cartão SUS, lançado em 1999, mas que está emperrado. O cartão SUS é dos mais graves, pois é um projeto que já comeu muito dinheiro e ainda não saiu oficialmente do papel. As cidades que serviram de piloto para o Ministério da Saúde mesmo as que modificaram o sistemas, ainda não os tem efetivado. Falta muito controle do cidadão sobre o estado para que este use bem, seus recursos de cidadão de modo a que não cometa aventuras. Ainda somos pouco efetivos e deixamos que os órgãos de participação da comunidade na saúde, que devem exercer a proposição e o controle, sejam aparelhados ora pela esquerda, ora pela direita. Ora pelos governos e ora pelas corporações.

Existem, como já enumerados acima, desafios inúmeros para quem, assumir o próximo governo. O maior é investir muito em atenção básica cuja centralidade, na prática da integralidade é fazer ações de promoção, proteção e recuperação da saúde com foco nas duas primeiras que são mais preventivas que assistenciais. Outra é melhorar a eficiência nos gastos tanto evitando as perdas quanto evitando o mau uso dos parcos recursos. Ainda: aumentar os recursos federais e estaduais para a saúde, as duas esferas que não cumprem os mínimos constitucionais.

O questionamento é se o Estado pode ser mais eficiente. Os municípios podem continuar fazendo muito e melhor. No aspecto de aumentar os recursos acho que já fazem bastante e se colocarem mais recursos próprios em saúde, desequilibrarão o financiamento de outras áreas que são condicionantes e determinantes da saúde.

Municípios e as duas outras esferas de governo precisam melhorar a qualidade do gasto. Não se podem perder recursos com corrupção e com ineficiência no uso. Esta questão de ineficiência é uma válvula de escape mal fechada. Não se pode reduzir os problemas a esta questão de eficiência, pois seria reducionismo, mas se investirmos em gastar melhor os recursos vamos melhorar a atenção à saúde das pessoas.

O setor saúde é extremamente complexo e de necessidades imprevisíveis, pois trabalha com variáveis pouco controláveis. De um lado a demanda das pessoas e de outro as doenças agudas, os acidentes, as catástrofes etc. Se não tivermos um sistema de processo de trabalho altamente desenvolvido com resposta para todos os cenários previsíveis, não teremos saída para os imprevisíveis.

Encerro este meu texto com a repetida e cantada lei dos cinco mais que didaticamente elaborei para facilitar diagnóstico e a busca de saídas para a saúde no Brasil.

LEI DOS CINCO MAIS:

MAIS BRASIL – MUDAR A SITUAÇÃO GERAL DO PAÍS PARA MEXER NOS DETERMINANTES E CONDICIONANTES DA SAÚDE DIMINUINDO O RISCO DAS DOENÇAS E DOS AGRAVOS À SAÚDE;

MAIS SAÚDE-SUS – FOCAR A ATENÇÃO À SAÚDE NUM NOVO MODELO DE FAZER SAÚDE (O SUS TEM A ESSÊNCIA DELE) COM INTEGRALIDADE (PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DA SAÚDE) E UNIVERSALIDADE. NO TUDO PARA TODOS, DE FORMA REGULADA.

MAIS EFICIÊNCIA – MELHORAR A GESTÃO ADMINISTRATIVA, FINANCEIRA, DA FORÇA DE TRABALHO, DO TRANSPORTE ETC DE FORMA MAIS CIENTÍFICA USANDO BEM O INSTRUMENTAL DE INFORMAÇÃO-INFORMÁTICA.

MAIS HONESTIDADE – COMBATER A PERDA DOS POUCOS RECURSOS PELO COMBATE À CORRUPÇÃO, ENDÊMICA NO PÚBLICO E NO PRIVADO E CUJA PRESENÇA NA SAÚDE É FORTE.

MAIS FINANCIAMENTO – BUSCAR MAIS RECURSOS FINANCEIROS. TEMOS PARA A SAÚDE DOS BRASILEIROS, EM MÉDIA, 20% DO QUE OS PAÍSES COM SISTEMAS UNIVERSAIS DE SAÚDE, GASTAM COM SUA POPULAÇÃO.

* Gilson Carvalho – Médico Pediatra e de Saúde Pública – O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Textos do autor disponíveis no site www.idisa.org.br – Contato: carvalhogilson@uol.com.br.

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