10/06/2022
Como a Vigilância em Saúde de Cabedelo-PB controlou o surto de Covid-19 em navio petroleiro?
10/06/2022 10h40 - Atualizada em 10/06/2022 10h40
O trabalho foi articulado com a Capitania dos Portos, a Polícia Federal e a Companhia Docas e o município adquiriu equipamentos de proteção individual, termômetro digital e oxímetro. A cada seis horas era emitido um boletim, com a situação de saúde dos usuários
Pouco após o anúncio de que no Brasil havia identificado o primeiro caso de Covid-19, um navio petroleiro de bandeira internacional chegou ao porto de Cabedelo, na Paraíba, e recebeu um de seus tripulantes contaminado pelo coronavírus. O município, de quase 70 mil habitantes, localizado na região metropolitana de João Pessoa, tem uma característica singular: se organiza em uma faixa longitudinal de terra ao redor do Oceano Atlântico, que lhe confere 18 km de extensão e apenas 3 km de largura. A sua posição geográfica possibilitou o desenvolvimento das atividades portuárias, como também contribuiu para estimular o seu potencial turístico em torno dos 10 km de praia.
O navio petroleiro saiu de Recife em direção a Cabedelo, onde o tripulante embarcou. Ele veio do Rio de Janeiro de avião e, embora assintomático, havia se contaminado. O navio partiu em direção a Guamaré (RN) e só então identificou o primeiro caso positivo. Na cidade do Rio Grande do Norte e em seguida no porto do Ceará não teve autorização para atracar e então voltou para Cabedelo. A dificuldade de permanecer foi atribuída ao medo de contaminação e à escassez de informações sobre como lidar com a doença.
Era abril de 2020, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permitiu que a embarcação atracasse novamente em Cabedelo até o surto da doença passar. No petroleiro estavam 26 tripulantes, dos quais 12 testaram positivo ao longo dos 43 dias em que o navio se manteve atracado no porto. A Anvisa só liberou a embarcação contados 14 dias após o último teste positivo. Entre os tripulantes estavam filipinos, russos, croatas e quatro brasileiros, dentre estes 3 se contaminaram. A única mulher na tripulação era brasileira.
Para lidar com os desafios que estavam por vir, considerando as especificidades do município, a Vigilância em Saúde já havia realizado seu planejamento prevendo situações em que a contaminação viesse pelo oceano, a exemplo do petroleiro. “Diante da dificuldade de assumir algo de tamanha magnitude, a Vigilância local se reuniu com a Anvisa para traçar um protocolo de atribuições de cada uma das instâncias. Nos preparamos tecnicamente para qualquer emergência internacional por sermos sede de Porto e fizemos simulações que nos possibilitou executar a ação”, explica a gerente executiva da Vigilância em Saúde, Julia Emilia Vaz Sette Camara. O trabalho foi articulado com a Capitania dos Portos, a Polícia Federal e a Companhia Docas e o município adquiriu equipamentos de proteção individual, termômetro digital e oxímetro.
“Dois meses após o planejamento, a Anvisa telefona para comunicar que o navio estava atracado em terras paraibanas”, relembra Júlia. Coube à Agência Nacional autorizar a entrada e saída do navio em tempo oportuno e à Vigilância em Saúde do município o acompanhamento clínico dos casos. Quatro profissionais da Vigilância foram ao navio organizar a estrutura de cuidado e realizar a testagem da tripulação e a avaliação clínica, inclusive com a presença de uma médica para a prescrição de medicação. Foi criada uma ala de isolamento, em que parte das cabines foram separadas para manter os pacientes positivados.
A presença de um enfermeiro na tripulação foi fundamental para manter cotidianamente o elo entre pacientes e equipe de monitoramento da Vigilância. A cada seis horas era emitido um boletim, com a situação de saúde dos usuários, que envolvia dados sobre a frequência cardíaca e respiratória, saturação e temperatura. “De toda minha carreira, esta foi a experiência mais impressionante que vivi. Apesar da angústia e do medo da contaminação, já que não tínhamos sido vacinados ainda, saímos radiantes por poder ajudar. Tínhamos aquela sensação de dever cumprido porque eles rodaram muito para serem aceitos”, comemora Jordana Cristina Fontes, enfermeira e coordenadora de doenças não transmissíveis. Ela foi uma das profissionais que entrou no navio e acompanhou toda operação.
Ao longo dos 43 dias em que o navio permaneceu atracado em Cabedelo, três tripulantes tiveram que ser transferidos para um hospital devido ao agravamento dos sintomas. A remoção dos pacientes graves do navio foi regulada pelo município através da atuação do Serviço Móvel de Urgência (SAMU). Todos se recuperaram da doença.
Esforço coletivo
Cabedelo é um município conhecido pelas suas atrações turísticas. A população praticamente triplica no verão, o que exige atuação constante do poder público. Com a pandemia, a Vigilância Sanitária e a Vigilância Epidemiológica se uniram para trabalhar com equipe única, atuando na testagem em massa e dando suporte às ações de fiscalização em balsas, catamarans, etc. Durante o período mais crítico da doença, veleiros de outros países foram impedidos de entrar na costa do município.
Embora trabalhando com um número reduzido de profissionais, em função do afastamento de muitos servidores na pandemia, a equipe de Vigilância também promovia mutirões de controle nos bairros da cidade. “Dávamos prioridade às comunidades com maior número de casos ou em locais onde os profissionais das Unidades Básicas de Saúde (UBS) nos acionavam para uma ação conjunta. Chegávamos a testar mais de 200 pessoas em uma ação”, conta Jordana.
A enfermeira reconhece a importância de estar preparada para enfrentar situações de surto quando se trabalha na Vigilância. No início, a testagem das pessoas com sintomas suspeitos era feita em domicílio, o que significava maior sobrecarga dos profissionais. “Ligavam para a gente a toda hora, à noite, nos finais de semana, pedindo para fazer exames. Temos que ter perfil para atuar na Vigilância. Dá angústia, mas é nossa profissão. Graças a Deus deu tudo certo e estamos aqui para contar a história”.